quarta-feira, 31 de agosto de 2022

CONSIDERAÇÕES ALÉM DE TICO E TECO

Ruy Castro

Quem consegue distinguir Huguinho, Zezinho e Luisinho? E Malandro é um vira-lata sem complexo de vira-lata

Walt Disney (1901-66) teria feito 120 anos há algumas semanas e foi inútil você se fingir de indiferente. A mídia martelou o assunto como se Walt fosse um dos nossos. E talvez seja —nenhum brasileiro nascido a partir de 1930, exceto se confinado na mais remota das grotas, deixou de saber dele, de seus personagens, filmes, gibis, álbuns de figurinhas, parques.

Apesar disso, muito do universo Disney continua inexplorado. Vide os sobrinhos do Pato Donald. Nos EUA, chamam-se Huey, Dewey e Louie; aqui, claro, Huguinho, Zezinho e Luisinho. Mas, embora eles se tratem nos quadrinhos pelos respectivos nomes, nenhum garoto americano ou brasileiro já foi capaz de distinguir um do outro. E quantos, nos últimos 90 anos, perceberam que Mickey tem só quatro dedos e suas orelhas estão sempre em diagonal? E que Donald não é bem um pato, mas um marreco —patos têm uma membrana vermelha no bico; Donald, não; e seu rabicho proeminente é típico dos marrecos.

Nem todos os personagens de Disney envelheceram bem. O Capitão Gancho ficou mal com sua piteira para dois cigarros —hoje nem os vilões de desenho animado podem fumar. Os queridos esquilos Tico e Teco tornaram-se sinônimos de dois neurônios, usados para qualificar gente burra. E, pelos padrões atuais, o beijo do Príncipe em Branca de Neve pode ser visto como assédio. Afinal, ela estava morta.

Sabia que, embora aplicasse a famosa assinatura a tudo que saía de seu estúdio, Disney nunca desenhou ninguém? Quem deu forma a Mickey foi Ub Iwerks; a Donald, Carl Barks; e a Pateta, Art Babbitt; em vida, Walt, mau patrão, nunca lhes deu crédito. Ele não era muito admirado como pessoa. No passado, George S. Kaufman definiu a Disneylândia como "a maior ratoeira humana dirigida por um rato".

Mas nada disso atinge Malandro, o cachorro de "A Dama e o Vagabundo" —um glorioso vira-lata sem complexo de vira-lata.

Fonte: Folha de S. Paulo - 25/12/2021

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