Suzana Herculano-Houzel
Jovens devem pensar três vezes antes de tentar carreira científica
Anos atrás eu despertei a ira de boa parte dos meus colegas cientistas brasileiros ao escrever um post chamado "Você quer mesmo ser cientista?", no qual eu explicava, tintim por tintim, o que espera um jovem ao começar seu primeiro estágio em laboratório e seguir a trajetória de mestrado-doutorado-pós-doutorado-professor que configura a carreira da grande maioria dos cientistas atualmente. Fui acusada de desestimular a juventude, ser antipatriótica (acusação repetida anos depois, quando resolvi deixar o país para trabalhar nos EUA) e contribuir para esvaziar os laboratórios dos colegas da mão-de-obra barata que os jovens brasileiros proporcionam.
Pois agucem os caninos, porque volto à carga, motivada por reportagem na revista Nature sobre as condições financeiras insuficientes dos alunos de doutorado... nos EUA. Aqui fora, doutorandos recebem salários de 20 a 30 e poucos mil dólares por ano para trabalhar em pesquisa que é coroada por um diploma, necessário para um dia ser contratado como professor —cargo que nas grandes universidades paga "seis dígitos" por ano, ou seja, de cem mil dólares para cima. Em termos brasileiros, o salário de um doutorando americano parece invejável. Para a realidade estadunidense, contudo, ele não cobre as contas, sobretudo numa realidade em que os jovens saem de casa ao completar o ensino médio.
E no Brasil... Ah, no Brasil. O "salário" de um doutorando brasileiro se chama "bolsa", porque não vem com direitos (ou deveres) trabalhistas, e continua a miséria de R$ 2.200 por mês, valor publicado no Diário Oficial em 2013 e vigente até hoje. São menos de dois salários mínimos para jovens com curso superior completo e competência adquirida ao custo de experiência prévia trabalhando praticamente de graça em laboratório, sem a qual não se entra para o doutorado no Brasil.
Não vou entrar no mérito óbvio da (im)possibilidade de se sustentar sem ajuda da família com uma bolsa de doutorado. Prefiro usar o que me resta neste espaço para renovar meu apelo aos jovens: Você quer MESMO ser cientista?
A realidade é que a pesquisa no mundo todo é movida por doutorandos, jovens profissionais rebaixados no Brasil ao título de "estudantes", justificativa usada para a miséria que lhes é paga. A grande maioria dos pesquisadores que conseguem ser contratados como professores, o sonho de sucesso de dez entre dez doutorandos, é obrigada a atuar como administradores, escrevendo projetos de pesquisa que tem cada um menos de 10% de chance de ser aprovado para conseguir financiamento para pagar o salário de quem realmente dá duro nas bancadas e faz a ciência acontecer: os jovens idealistas, cheios de vontade, que topam virar a noite fazendo experimento, que não precisam sair às 5 da tarde para buscar os filhos na escola, que topam almoçar pizza de graça nos seminários e jantar miojo dia sim, dia também. Professores de fato pesquisadores são uma minoria tão ínfima que, na prática, sem doutorandos não se faz ciência no mundo —o que deveria encher nossos jovens de um senso de poder.
Se fossem mais velhos, nossos jovens se recusariam a carregar a ciência brasileira nas costas por uma miséria. Eles aceitam porque são jovens, e o que resta da ciência brasileira existe graças a eles. Vergonha deve ter quem é mais velho e não se manifesta contra isso, pois apenas consente.
Fonte: Folha de S.Paulo
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