Atila Iamarino
Essa estabilização da queda se transformando em aumento lento pode sinalizar uma queda da imunidade
Ainda estamos na lua de mel da imunidade. Nas últimas semanas, registramos o menor número de mortes por Covid desde dezembro de 2021 —a situação só foi melhor em março de 2020. Se essa tendência continuasse pelos próximos meses, poderíamos até pensar no fim da pandemia. Mas na falta de medidas como máscaras, redução de aglomerações e mudanças na ventilação de ambientes fechados, a barreira contra o vírus que mantém essa estabilidade é só a nossa imunidade. E os dois fatores, nossa imunidade e o vírus, dão sinais de que a situação pode estar prestes a mudar.
Os números do Brasil começam a dar sinais importantes. Revertendo atendência de março, a proporção de testes positivos começou a subir em laboratórios particulares —um sinal de que mais pessoas que estão buscando testes estão com o coronavírus. E as internações por Covid começam a aumentar em hospitais de São Paulo.
Esse aumento pode ser uma reversão temporária, depois de feriados e de aglomerações. Mas o indicativo mais tardio da Covid, o número de óbitos, também começou a crescer. Essa estabilização da queda se transformando em aumento lento pode sinalizar uma queda da imunidade.
Simplificando bem, nosso corpo tem duas respostas importantes contra os vírus. A imunidade celular, que é a porção do nosso sistema imune que reconhece células infectadas e induz a sua destruição antes que façam mais vírus. Essa imunidade parece ser bastante duradoura contra o coronavírus e deve ser por conta dela que estamos vendo casos mais leves entre quem já foi imunizado. E a imunidade de anticorpos, que reconhecem o coronavírus diretamente e o bloqueiam, ao mesmo tempo que sinalizam para o nosso sistema imune.
Os anticorpos são úteis até para impedir uma nova infecção. Mas sua produção cai com o tempo. Entre recuperados e vacinados, se estima que por volta de seis meses depois da imunização os anticorpos já diminuíram o suficiente para algumas pessoas serem infectadas de novo. E a ômicron induz uma resposta imune ainda mais fraca do que outras variantes, o que pode encurtar esse intervalo ainda mais.
Pelo menos entre os infectados pela ômicron em dezembro do ano passado, os 5 meses que se passaram já podem ser o suficiente para estarem vulneráveis de novo. Só por esse fator já poderíamos ver um aumento gradual de casos. Mas o vírus também não ficou parado. Na África do Sul, onde a ômicron foi detectada primeiro, já se vê uma nova onda de casos e hospitalizações. Dessa vez, causado por novas linhagens da ômicron chamadas BA.4 e BA.5 que continuaram mudando. De acordo com os últimos estudos, elas podem escapar da imunidade contra a ômicron original o suficiente para causar novos casos mais cedo e em mais gente ainda. E esse escape é de 3 a 5 vezes maior entre os não vacinados.
Se o país africano servir de exemplo do que nos espera, como foi o caso no final de 2021, podemos esperar outra onda aguda de casos no Brasil pelos próximos meses. Com proporcionalmente menos hospitalizações, já que os brasileiros estão mais vacinados. Mas com muito prejuízo de qualquer forma, por conta de quem se ausenta do trabalho, dos idosos que são mais vulneráveis mesmo vacinados e de quem ainda não se vacinou —como as crianças com menos de 5 anos, que já foram especialmente atingidas pela ômicron.
Estamos em uma ótima fase da pandemia. E podemos esperar momentos ainda melhores, com menos casos e por mais tempo do que agora. Mas que ainda devem ser pontuados por ondas de casos, especialmente se o governo federal continuar fazendo corpo mole na vacinação.
Fonte: Folha de S. Paulo
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