APEGO AO TELEFONE
Fabrício Carpinejar
Se você não ler as mensagens do WhatsApp, o mineiro vai telefonar.
Conte até 99.
Ele não pede autorização para ligar. Ele liga para ver o que aconteceu para não ter respondido. Pensa que está precisando conversar, está precisando de ajuda, está precisando desabafar.
O silêncio somente é benquisto se for presencial. Na distância, gera suspeitas.
Mineiro é paciente quando está junto e extremamente ansioso durante a lonjura.
Ao seu lado, é capaz de permanecer uma tarde inteira, em prosa descontínua e esparsa, com frases calculadas, dividindo a extensão da paisagem. Tem vagarosidade de coador de café pingando palavras.
Só que não se aguenta apartado do campo visual. Vira uma britadeira perfurando preocupações.
Nunca visualize uma mensagem dele se não irá responder na hora. Nunca dê os risquinhos azuis de graça.
A consequência é imediata. Se você não desfruta de tempo para oferecer, por isso não reagiu a pergunta na caixa de mensagens, acabará se envolvendo num interurbano de horas a fio, gastando a lábia de semanas reportando os últimos acontecimentos de sua vida.
De modo nenhum, ele cogitará a hipótese da sua ocupação, do seu trabalho pendente, das demandas da sua carreira, das multitarefas domésticas. Não imaginará que anda com um filho no colo pela casa.
Já deduzirá que você não pode escrever porque é algo muito sério, que não pode expor porque é algo muito importante e não há como herdar rastros pelo caminho.
Mineiro faz fofoca restritamente por telefone. É a invisibilidade das provas. Se telefonou, é cochicho, é indiscrição, é falar de alguém.
Não se compromete pela letra. Letra lembra cartório. Jamais colocará algo por escrito para ser pego depois, no contrapé, mediante prints constrangedores.
Ele tem pudor de digitar como se fosse um nude.
Não encontrei em nenhum outro lugar uma comunidade tão falante no telefone, tão assídua, tão frequente.
Áudios e textos são para a comunicação corriqueira. Não se abre mão das longas tertúlias telefônicas. É uma solenidade do interior que se mantém intacta na alma de Minas.
O que mais o irrita é o atendimento virtual sem a chance de falar com uma pessoa. Ele acredita unicamente nas pessoas. Não ponha robô para socorrer as reclamações que ele achará um jeito de pifar a máquina.
Cultiva um ranço com a automatização dos serviços públicos. Entra numa desconfiança plena de que será enganado. Certamente apertará o nove para conversar com um dos atendentes. Sempre apertará o nove. Ou inventará o nove.
Eu jamais ouso deixar a minha esposa no vácuo. Ela ligará no ato com medo de algum perigo. Assim vem disciplinando um sujeito distraído do mundo da lua a dar notícias atualizadas dos seus passos. Apareceu seu nome, retribuo com informações. Nossos laços são emendados. E não importa se é uma bobagem, um vídeo engraçado, uma música, uma notícia de jornal sobre a nossa cidade. Não perdemos nem mais um instante do nosso amor, da nossa devoção mútua.
Aliás, só um minutinho, ela acabou de me mandar mensagem.
Fonte: otempo.com.br
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