terça-feira, 31 de maio de 2022

E EU COM ISSO?

E EU COM ISSO?
Myrthes Suplicy Vieira (*)

Quando a polícia carioca, mesmo contra a determinação do STF, intensificou as operações contra o tráfico de drogas nas favelas que resultaram em dezenas de mortes de moradores e pessoas que não tinham nada com isso, fiquei chocada com a violência desmedida mas não protestei porque não moro no Rio de Janeiro nem em comunidades de morro.

Quando a polícia paulista introduziu desafiadoramente blindados e atiradores de elite nas recentes incursões na Cracolândia, fiquei aterrorizada com a possibilidade concreta de reação armada dos traficantes e consequente morte indiscriminada de passantes e moradores, mas segui em frente cuidando dos meus afazeres porque não sou viciada, nem tenho parentes e amigos nessa condição, e também não moro nas adjacências.

Quando a polícia rodoviária federal de Sergipe jogou gás de pimenta e gás lacrimogêneo dentro de uma viatura matando um esquizofrênico negro cujo único deslize era estar pilotando uma moto sem capacete, fiquei indignada com a inadmissível barbárie, mas acabei me distraindo com a necessidade de cuidar da minha própria sobrevivência: afinal, os preços dos alimentos estão pela hora da morte, os planos de saúde já são impagáveis e ninguém consegue encontrar estabilidade financeira, nem empregos mais bem remunerados.

Quando chuvas torrenciais ocasionaram centenas de mortes em diversos estados brasileiros, fiquei, é claro, entristecida diante de tanta dor e sofrimento, mas lembrei que isso é consequência inevitável do aquecimento do planeta – e que, portanto, resta muito pouco para nossas autoridades fazerem para evitar a repetição dessas tragédias. Além disso, não moro em área de risco e respeito o meio ambiente, fazendo coleta seletiva.

Quando bandidos disfarçados de entregadores de moto passaram a assaltar e, por vezes, matar pedestres desavisados para roubar seus celulares, comecei a me sentir um tanto insegura, mas logo espantei as sombras porque não uso celular em público e nunca ando sozinha à noite. É bem verdade que tenho irmãos, sobrinhos e amigos que se expõem a esse risco, mas sei que eles estão um pouco mais protegidos por não circularem em bairros de periferia e morarem/trabalharem em áreas onde há maior presença de forças de segurança.

Quando o número de casos de violência doméstica, feminicídio e pedofilia começou a crescer em função do confinamento na pandemia, roguei a Deus que ela terminasse o mais rápido possível e que nossas autoridades encontrassem algum jeito de serem mais efetivas no combate a esses males; mas não me incomodei tanto, uma vez que moro sozinha e não tenho filhos.

Em suma, sei e sinto que involuímos como sociedade, que a realidade brasileira adquiriu tons surreais e macabros e que não há perspectivas concretas de construirmos um futuro promissor para nossa pátria. No entanto, mesmo perplexa com tantas catástrofes, permaneço fiel a meus princípios democráticos: sou uma cidadã de bem, cumpridora dos meus deveres sociais, pago meus impostos regularmente, sou instruída, bem-informada politicamente, temente a Deus e não me meto na vida das pessoas. Se ao menos meus compatriotas entendessem que a cada ação corresponde uma reação, as coisas seriam muito mais fáceis de administrar, tenho certeza.

Sou a favor das liberdades individuais: cada um que cuide do seu próprio nariz e evite como puder colocar-se em situações de perigo e confronto social, racial, religioso, político e de classe.

E você?

(*) Myrthes Suplicy Vieira é psicóloga, escritora e tradutora.

Fonte: brasildelonge.com
A mentira é o único privilégio do homem sobre todos os outros animais. (Fiódor Dostoiévski)

LUGARES

BRUXELAS - BÉLGICA
A Cidade de Bruxelas é a maior comuna da Região da Capital Bruxelas que, por sua vez, é a capital da Bélgica. A Grand-Place é a praça central de Bruxelas. Nela ficam a Câmara Municipal e a Casa do Rei. Alguns autores, entre os quais Victor Hugo, consideram-na a mais bela praça do mundo. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

Imagem da Matéria
Charge de Gerson Kauer

Dei porque quis” !

Na empresa de engenharia, a Virginia (solteira) era uma funcionária competente e curvilínea. E foi, justo por esse dublê, que ela atraiu a admiração profissional e a cobiça pessoal do gerente-geral Onofre (casado).

Depois de alguns meses de momentos interrogativos, eles passaram a fugidios combates de Eros, em leitos de motéis. Os encontros eram esporádicos mas profundos.

Um dia, “por razões de adaptação aos apertos da economia brasileira”, a empresa demitiu Virgínia e pagou-lhe algumas das parcelas rescisórias.

Um mês depois, bateu na Justiça do Trabalho uma ação que – além de horas extras e outros reflexos – buscou “indenização por dano moral decorrente de assédio sexual praticado por superior hierárquico”.

Como, sobre o assédio, não havia prova documental e a prova testemunhal seria difícil, o juiz decidiu que iria a fundo nos depoimentos pessoais da reclamante e do gerente que supostamente “pulara a cerca”. Mas nem foram necessários os dois depoimentos. Primeira a depor, Virginia logo confirmou:

- Eu tive, mesmo, relacionamentos íntimos consentidos com ele...

Espantado o juiz ponderou:

- Mas vejo aqui na petição inicial da sua ação que a senhora reclama ter sido vítima de assédio sexual praticado por seu superior hierárquico.

A resposta da reclamante foi surpreendente:

- Isso aí foi coisa do meu advogado. Mas por uma questão de verdade e de respeito ao Onofre, eu lhe afirmo, doutor, que os nossos encontros íntimos foram pedidos por ele e consentidos por mim...

Quase atônito o juiz, foi reticente:

- E então, a senhora...

- Então, doutor, em síntese eu ´dei porque quis´ e só quero agora mesmo as minhas horas extras, que a empresa ficou me devendo.

Em poucos minutos houve o acordo: a empresa pagou R$ 5 mil a título de “labores extraordinários, dos quais, mediante o pagamento feito aqui mesmo em audiência, a reclamante dá plena e integral quitação à reclamada”.

E Virginia e Onofre saíram, cada um para o seu lado. E como dizem as fábulas, esperam ser felizes por muitos e muitos anos.

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS



segunda-feira, 30 de maio de 2022

SAIBA COMO FOI CRIADA A CASQUINHA DE SORVETE

SAIBA COMO FOI CRIADA A CASQUINHA DE SORVETE
O Curioso
Marcelo Duarte é escritor, jornalista e, acima de tudo, curioso

Saiba como foi criada a casquinha de sorvete
Marcelo Duarte conta como os copos de verdade foram substituídos por waffle

A história da invenção da casquinha de sorvete é um tanto enrolada. Há uma dezena de nomes que pleiteiam a invenção. Quase todas as histórias giram em torno do mesmo roteiro: um vendedor de sorvete ficava sem seus copos e pedia ajuda para um vendedor de waffle.

Então a casquinha de sorvete não tem um criador?

Tem! Quem acabou levando os méritos foi o imigrante italiano Ítalo Marchioni, que começou a vender sorvete num carrinho de mão em Nova York, nos Estados Unidos, em 1896. O sorvete era servido até então em copos de verdade, que eram pesados de carregar, que se quebravam com facilidade ou que não eram devolvidos, e, pior, difíceis de serem lavados ali na rua.

Por causa de tudo isso, Marchini percebeu que precisava de porta-sorvetes comestíveis. Desenhou uma máquina que fazia uma espécie de copo de waffleenrolado e conseguiu a patente em dezembro de 1903. Patente é um documento oficial que mostra que alguém teve a ideia primeiro e pode vendê-la se outros quiserem copiá-la.

Ninguém tinha essa patente antes dele?

Pior que sim. Um primo de Marchioni, chamado Frank Marchioni, era sócio do italiano Antonio Valvona, que registrou em 1901 a patente de uma "máquina para assar xícaras de biscoito que podem ser recheadas com sorvete pelos vendedores em vias públicas ou em outros lugares".

Ítalo chegou a trabalhar por um breve período para Frank. O caso foi parar nos tribunais americanos em 1910 e teve várias reviravoltas. Até que em 1914 um juiz decidiu que todos tinham direito de fazer suas casquinhas sem pagar por isso para Frank e Valvona.

Quando foi que a casquinha ganhou o famoso formato de cone?

Essa parte é ainda mais confusa. E, como se viu até aqui, tinha muita gente querendo tirar uma casquinha da ideia. O que se diz é que o cone apareceu pela primeira vez na Feira Mundial de St. Louis, também nos Estados Unidos, em 1904.

Segundo a filha de Marchioni, o pai estava entre os expositores, vendendo sorvetes com seus copinhos patenteados. Os copinhos que ele havia levado de sua fábrica para a feira acabaram rapidamente.

Daí Marchioni teria pedido ajuda ao vendedor de waffle do estande ao lado. Pediu que ele fizesse waffles no formato mais parecido com um copo. Um cone. Alguns pesquisadores dizem que esse vendedor era o imigrante sírio Ernest Hamwi. Não há registros oficiais de nada disso.

Fonte: Folha de S. Paulo
Educação é o que sobrevive quando o que se aprendeu foi esquecido. (Burrhus Frederik Skinner, psicólogo americano, 1904-1990)

LUGARES

BERGEN - NORUEGA
Bergen ou Berga é o nome da segunda maior cidade da Noruega, com uma população de aproximadamente 250 mil habitantes. A cidade está cercada por sete montanhas, o que lhe confere uma bela paisagem, mas também o título de cidade mais chuvosa da Europa.

Bergen é um centro de cultura, comércio e universitário na costa oeste da Noruega. O compositor Edvard Grieg nasceu e viveu na cidade e lá compôs várias de suas mundialmente famosas peças.

É uma cidade muito popular quer para turistas norugueses, quer para turistas estrangeiros, sendo um do principais pontos de paragens dos cruzeiros dos mares do norte da Europa. É o ponto de partida do barco Hurtigruten, que viaja pelas costas norueguesas até ao Kirkenes, sendo estação final da linha ferroviária de Bergen (Bergensbanen), que a liga a Oslo, por paisagens de grande beleza natural.

Bergen teve a sua própria universidade em 1946. Esta tem hoje cerca de 17 000 estudantes.

A montanha amarela é maior das sete montanhas que rodeiam a cidade, com 987 metros de altura.

Foi fundada em 1070, por Olav Kyrre, tendo sido a capital da Noruega até 1299, quando Oslo passou a ser a capital. Ainda assim, continuou a ser a maior cidade da Noruega até à década de 1830. Entre 1350 e 1750 pertenceu à Liga Hanseática. 

A parte antiga da cidade ligada à baía, chamada Bryggen, circundada por casas datando do tempo da Liga Hanseática, passou a integrar a lista do patrimônio da humanidade da Unesco, em 1979. 

Fonte: Wikipédia

APEGO AO TELEFONE

Ilustração de Hélvio
APEGO AO TELEFONE
Fabrício Carpinejar

Se você não ler as mensagens do WhatsApp, o mineiro vai telefonar.

Conte até 99.

Ele não pede autorização para ligar. Ele liga para ver o que aconteceu para não ter respondido. Pensa que está precisando conversar, está precisando de ajuda, está precisando desabafar.

O silêncio somente é benquisto se for presencial. Na distância, gera suspeitas.

Mineiro é paciente quando está junto e extremamente ansioso durante a lonjura.

Ao seu lado, é capaz de permanecer uma tarde inteira, em prosa descontínua e esparsa, com frases calculadas, dividindo a extensão da paisagem. Tem vagarosidade de coador de café pingando palavras.
Só que não se aguenta apartado do campo visual. Vira uma britadeira perfurando preocupações.

Nunca visualize uma mensagem dele se não irá responder na hora. Nunca dê os risquinhos azuis de graça.
A consequência é imediata. Se você não desfruta de tempo para oferecer, por isso não reagiu a pergunta na caixa de mensagens, acabará se envolvendo num interurbano de horas a fio, gastando a lábia de semanas reportando os últimos acontecimentos de sua vida.

De modo nenhum, ele cogitará a hipótese da sua ocupação, do seu trabalho pendente, das demandas da sua carreira, das multitarefas domésticas. Não imaginará que anda com um filho no colo pela casa.

Já deduzirá que você não pode escrever porque é algo muito sério, que não pode expor porque é algo muito importante e não há como herdar rastros pelo caminho.

Mineiro faz fofoca restritamente por telefone. É a invisibilidade das provas. Se telefonou, é cochicho, é indiscrição, é falar de alguém.

Não se compromete pela letra. Letra lembra cartório. Jamais colocará algo por escrito para ser pego depois, no contrapé, mediante prints constrangedores.

Ele tem pudor de digitar como se fosse um nude.

Não encontrei em nenhum outro lugar uma comunidade tão falante no telefone, tão assídua, tão frequente.
Áudios e textos são para a comunicação corriqueira. Não se abre mão das longas tertúlias telefônicas. É uma solenidade do interior que se mantém intacta na alma de Minas.

O que mais o irrita é o atendimento virtual sem a chance de falar com uma pessoa. Ele acredita unicamente nas pessoas. Não ponha robô para socorrer as reclamações que ele achará um jeito de pifar a máquina.

Cultiva um ranço com a automatização dos serviços públicos. Entra numa desconfiança plena de que será enganado. Certamente apertará o nove para conversar com um dos atendentes. Sempre apertará o nove. Ou inventará o nove.

Eu jamais ouso deixar a minha esposa no vácuo. Ela ligará no ato com medo de algum perigo. Assim vem disciplinando um sujeito distraído do mundo da lua a dar notícias atualizadas dos seus passos. Apareceu seu nome, retribuo com informações. Nossos laços são emendados. E não importa se é uma bobagem, um vídeo engraçado, uma música, uma notícia de jornal sobre a nossa cidade. Não perdemos nem mais um instante do nosso amor, da nossa devoção mútua.

Aliás, só um minutinho, ela acabou de me mandar mensagem.

Fonte: otempo.com.br

FRASES ILUSTRADAS

domingo, 29 de maio de 2022

VIVA O BRAZIL!

VIVA O BRAZIL!
José Horta Manzano

Brasil em 1821, às vésperas de se tornar independente.
Repare que o nome do futuro país se escrevia com Z

Já vi gente irritada por ter visto a palavra Brazil grafada com Z em textos escritos em inglês. Há quem reclame e quase se ofenda com isso. Se pudessem, exigiriam que o nome de nosso país fosse sempre escrito com S.

Sem ranzinzice nem histeria, vamos ao fundo da questão.

Foi no século 19 que as colônias espanholas e portuguesas da América alcançaram independência. Foi uma atrás da outra. Naquela altura, o resto do mundo teve de lidar com o nome de países novos: Argentina, México, Peru, Nicarágua e muitos outros.

Entre eles, estava o nosso. Só que tem uma coisa. Nossa grafia daquele tempo não era normatizada (engessada) como hoje. Eram poucos os que sabiam escrever, e cada um deles grafava como lhe parecia adequado.

Mas o nome do país era unanimidade: todos grafavam com Z (Brazil).

Nosso primeiro nome oficial por extenso foi Imperio do Brazil; em seguida, tivemos os Estados Unidos do Brazil. O mundo viu, anotou, copiou e escreve até hoje Brazil com Z.

Nos dois séculos que decorreram desde a independência, nós mexemos na ortografia oficial inúmeras vezes. Faz já algumas décadas que ficou combinado que o nome do país deve se escrever com S.

Mas como fazer para avisar ao resto do mundo que nossa ortografia mudou?

Pensando bem… será que vale a pena explicar que limpeza é com Z, mas despesa é com S?

Não é moleza… (Com Z)

Observação interessante

Em qualquer texto em inglês, o nome da capital, Brasília, aparece sempre com S. Por quê será?

A razão é simples: Brasília, que então tinha o apelido de Novacap, foi apresentada ao mundo em 1961 grafada com S. Cada língua adaptou o original a sua escrita própria. Muitas ficaram com o S mesmo; entre elas, o inglês.

Falta ensinar aos ingleses que nossas atuais regras mandam acentuar o i do meio. Ou quem sabe será melhor esperar até a próxima reforma ortográfica? Assim, evita-se ficar incomodando o tempo todo.

Fonte: brasildelonge.com
Com um pouco de agilidade mental e algumas leituras em segunda mão, qualquer homem encontra as provas daquilo em que deseja acreditar. (Bertrand Russell)

LUGARES

ÍMOLA - ITÁLIA
(Piazza Giacomo Matteotti)
Ímola é uma comuna italiana da região da Emília-Romanha, província de Bolonha, com cerca de 64.348 habitantes. Estende-se por uma área de 204,94 km², tendo uma densidade populacional de 314 hab/km². Wikipédia

O SERTÃO FOI INVENTADO POR LUIZ GONZAGA

O SERTÃO FOI INVENTADO NA MÚSICA BRASILEIRA POR LUIZ GONZAGA COM 'BAIÃO''
Gustavo Alonso

Assim como 'Chico Mineiro', de Tonico & Tinoco, canção foi lançada em 1946, ano importante para o gênero caipira

Há anos que são fundamentais na história da música brasileira. "Atraente", composição de estreia de Chiquinha Gonzaga, foi um estrondoso sucesso em 1877. A polca abrasileirada de Chiquinha foi fundamental para a consolidação do que viria a ser o choro no Brasil.

Quarenta anos depois, 1917 foi o ano da gravação do primeiro samba, "Pelo Telefone", de Donga e Mauro de Almeida, marco do gênero que se tornaria "nacional" em poucos anos. Foi em 1958 que João Gilberto gravou "Chega de Saudade", de Tom Jobim e Newton Mendonça, dando início à bossa nova, marco identitário de uma brasilidade cosmopolita. O ano de 1965 marcou o surgimento tanto da Jovem Guarda quando da MPB, vistos na época como polos opostos de nossa música.

Para o rock no Brasil, 1982 foi fundamental, especialmente a partir do sucesso da Blitz naquele ano, que alavancou uma nova geração de roqueiros. Em 2012 a música sertaneja conseguiu um espantoso sucesso internacional, "Ai se Eu te Pego", cantada por Michel Teló, consolidando a hegemonia popular-massiva do gênero no país.

Se todos esses anos são com alguma frequência lembrados por nossos historiadores da música, o ano de 1946 quase nunca é citado como fundamental. Uma pena, pois foi neste ano que duas canções reinventaram os sertões brasileiros.

Uma delas é a canção "Baião", composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: "Eu vou mostrar pra vocês/ Como se dança o baião/ E quem quiser aprender/ É favor prestar atenção…". "Baião" é uma metacanção, ou seja, faz parte daquelas músicas que remetem ao próprio universo da canção. Ela antecede e cria a própria moda do baião dos anos 1940 e 1950.

Gonzagão já gravava na RCA desde 1941. Como instrumentista tocava mazurcas, valsas, polcas e choros em sua sanfona. Nada de baiões, xotes e congêneres. A partir de meados da década, ele começou a traduzir para o mundo da rádio AM da época o que ouvira na infância e adolescência no interior pernambucano.

Gonzaga ambicionava tornar-se também cantor, o que não agradava muito a direção da RCA. Esta é uma das razões de "Baião" ter sido gravada pelo grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa no ano-chave de 1946, e não pelo próprio compositor. O reconhecimento dos autores e o sucesso do gênero musical forjado pela canção fez Gonzaga se tornar o rei do baião alguns anos mais tarde.

Por sua vez, Tonico & Tinoco já gravavam desde 1945 na Continental, sem grande repercussão. Em 1946 eles lançaram "Chico Mineiro", composição de Tonico e Francisco Ribeiro, que os colocou no primeiro escalão da música caipira: "Fizemos a última viagem/ Foi lá pro sertão de Goiás/ Fui eu e o Chico Mineiro/ Também foi o capataz...". A canção conta a saga do personagem-título, que foi a Ouro Fino comprar bois e, no meio de uma festa, foi baleado. A revelação vem no final da canção, na qual o narrador descobre ser irmão da vítima.

Antes de "Chico Mineiro", artistas caipiras imitavam a dupla Raul Torres & Florêncio. Após o sucesso da canção, Tonico & Tinoco se tornaram a principal referência do meio caipira. Participaram de diversos filmes, apresentaram programas de rádio, gravaram discos, apareceram nas revistas voltadas ao público do interior, enfim, adentraram a indústria cultural do seu tempo.

"Baião" e "Chico Mineiro" foram importantes pois catalisaram a invenção de nossos sertões musicais através da indústria cultural. O caso de Gonzaga foi mais radical, pois o pernambucano foi o responsável pelas primeiras gravações do baião. Nesse sentido, ele foi o inventor musical do Nordeste em disco, trazendo atrás de si uma infinidade de artistas que se vincularam à tradição do forró e seus diversos subgêneros, xote, xaxado, baião, coco, forró, toada e arrasta-pé.

Tonico & Tinoco conseguiram repercussão em um gênero, a música caipira, que já vinha sendo gravada desde 1929. Mas atingiram um patamar de sucesso que ninguém antes havia obtido. Nesse sentido, ajudaram a construir um sertão cuja trilha sonora eram as toadas, os cateretês, as modas de viola, quadrilhas e outros subgêneros da cultura caipira.

Veiculados pela indústria cultural do seu tempo, o rádio e as gravadoras, Gonzaga e Tonico & Tinoco ajudaram a padronizar as diferentes vertentes musicais que existiam em suas regiões. Suas influências foram decisivas para normalizar e padronizar as produções locais.

No caso de Gonzaga, isso é ainda mais perceptível. Foi ele o inventor do trio sanfona-triângulo-zabumba. Antes dele não havia essa formação. Em algumas regiões do norte —como era então chamado o Nordeste—, era comum que instrumentos como o pandeiro e o melê —um arco de madeira com uma câmara de pneu fazendo papel de tambor— fossem os condutores percussivos em vários forrós. Outras microrregiões nordestinas tocavam de outros jeitos. Gonzaga padronizou tudo isso ao introduzir o par zabumba e triângulo e abandonar a sanfona de oito baixos pelo acordeão de 120 baixos. Ao ser vitorioso através da indústria cultural, Gonzaga forjou um padrão de identidade para a música sertaneja que não havia antes dele.

Ao mesmo tempo que padronizou, a indústria cultural tornou sons regionais distinguíveis para o ouvinte médio. Luiz Gonzaga e Tonico & Tinoco fatiaram nossa audição acerca do sertão musical nacional. Antes, tudo era música sertaneja, música dos interiores, tipo de canção frequentemente ouvida como menor nos centros urbanos do país. Depois deles, o sertão foi fatiado e padronizado, tornando-se claramente reconhecível e distinguível. Depois de "Baião" e "Chico Mineiro" ninguém mais confundia os sertões.

A indústria cultural dos anos 1940 foi uma faca de dois gumes —ao mesmo tempo que padronizou a música dos interiores, ajudou a forjar distinções e identidades macrorregionais. Por tudo isso, 1946 foi um ano-chave. Daqueles que nos definem e ajudam a entender quem somos. Daqueles que explicam uma nação.

Fonte: Folha de S. Paulo

CZARDAS

 HAUSER & CAROLINE CAMPBELL


FRASES ILUSTRADAS

sábado, 28 de maio de 2022

BARRAS DE APOIO E ASSENTOS NO CHUVEIRO PODEM SER ALIADOS DE IDOSOS

BARRAS DE APOIO E ASSENTOS NO CHUVEIRO PODEM SER ALIADOS DE IDOSOS
Julio Abramczyk

Estudo observou maior independência, sensação de segurança e menos quedas em pessoas mais velhas com essas adaptações em casa

Prevenir acidentes é dever de todos, explicitava antiga publicidade educativa nos bondes de São Paulo, um dos meios de transporte popular na cidade, na década de 50.

Atualmente, a preocupação não é com todos, mas com os idosos para que possam viver de forma independente.

Com base em necessidades não atendidas, o médico Kenneth Lam e colaboradores da divisão de geriatria da Universidade da Califórnia, em São Francisco, relatam, na revista Jama Internal Medicine, a questão do banho e outros cuidados necessários para idosos no banheiro e como ajudá-los.

Para os autores, a instalação de equipamentos, como barras de apoio e assentos no chuveiro, diminui a possibilidade de quedas e consequentes lesões, e melhora a qualidade de vida do idoso que apresenta deficiências crescentes.

No estudo de Lam e colaboradores, 2.614 idosos participaram e se beneficiaram das barras de apoio na banheira e dos assentos do chuveiro. A média de idade dos participantes foi de 80,5 anos, com 62% sendo do sexo feminino.

Foi destacado no estudo que esses idosos apresentaram maior independência e relataram sensação de segurança.

Da mesma forma, as modificações realizadas no domicílio dos idosos reduziu as quedas, principal causa de lesões em idosos.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda esse tipo de auxílio ao idoso, não só para reduzir as lesões, mas também para diminuir seu estresse e isolamento.

Fonte: Folha de S. Paulo
O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não. (Mahatma Gandhi)

LUGARES

KARLOVY VARY - REPÚBLICA CHECA
É uma cidade termal situada na parte ocidental da República Checa, na confluência dos rios Ohře e Teplá. Karlovy Vary é assim chamada depois que o imperador Carlos IV fundou a cidade na década de 1370. A cidade é historicamente famosa pelas suas termas. A cidade foi cenário de vários filmes, tais como As Férias da Minha Vida com a atriz Queen Latifah e 007 - Cassino Royale estrelado por Daniel Craig.

BAUMAN E A DIFICULDADE DE AMAR

BAUMAN E A DIFICULDADE DE AMAR
Anna Carolina Pinto

Zygmunt Bauman é autor de inúmeras obras com a palavra líquido em seu título. A noção de liquidez proposta pelo filósofo e sociólogo polonês, falecido no começo desse mês, é aplicada aos mais variados temas como a modernidade, o amor, o medo, a vida e o tempo, expressando a fluidez, isto é, a imensa facilidade com que estes elementos escorrem pelas mãos do homem moderno. A ideia, extraída de “O Manifesto Comunista” de Marx e Engels, vem da célebre afirmação de que tudo que é sólido se desmancha no ar e de que tudo que é sagrado é profanado: assim é a modernidade e sua essência que se alastra pela vida do homem moderno transformando-o não só como indivíduo, mas também como ser relacional.

O primeiro livro do Bauman que li foi “Amor Líquido” o qual, carinhosamente, valendo-me das palavras de Caetano, defino como “um sopapo na cara do fraco”, que me fez e faz, já que essa sorte de questionamento é constante, pensar na forma como nos relacionamos hoje em dia. Um ponto alto do livro, aos meus olhos, é o capítulo no qual Bauman fala sobre a dificuldade de amar o próximo destacando o modo como lidamos com os estranhos. Penso que nessa dificuldade é que se encontra a raiz de tantos dos nossos problemas seja na esfera pessoal ou pública. E é sobre isso que eu gostaria de refletir conjuntamente hoje.

Vivemos em uma sociedade fortemente marcada pelo conflito ser x ter na qual o homem passa a se expressar pelas suas posses, elementos definidores de sua própria identidade, o que reflete na busca por certa conformidade que ceifa a pluralidade de existências e segrega o que é diferente, estranho. O modo como as cidades se dividem é exemplo disso, os nichos considerados seguros são aqueles onde todos se parecem, exacerbando a nossa dificuldade em lidar com os estranhos que passam a ser evitados através de sistemas de segurança, muros, priorização de espaços que assegurem a conformidade de seus freqüentadores como os shoppings e etc. Evitar a todo custo o incômodo de estar na presença de estranhos, começar a enxergar naquele que sequer se sabe o nome um inimigo em potencial e desconfiar de tudo e de todos só é possível graças ao desengajamento e ruptura de laços para o sociólogo polonês.

Se levarmos em conta que amar outra pessoa não é amar o que projetamos nela e sim a sua humanidade e singularidades, não será difícil compreender que o amor é um desafio nos tempos de modernidade líquida. A busca pela felicidade individual nos transforma em tribunais individuais e, na disputa pela sentença a ser proferida, não raro, o que se vê é sair vencedor aquele que se recusa a ouvir o outro. Facilmente, pois, livramo-nos dos compromissos e de tudo aquilo que nos pareça incômodo. Ainda que tão agarrados a nós mesmos, paradoxalmente, é bastante comum que a solidão seja companhia (e problema) constante de quem vive a descartar.

Os muros que construímos ao nosso redor, físicos ou emocionais, têm mesmo esse condão de isolar e criar dois mundos em cada um de seus dois lados: o de dentro e o de fora. O último, espaço cativo dos que nos incomodam- aqui incluídos tanto quem nos relacionamos de forma íntima, quanto aqueles que preferimos distantes, inviabilizados de estar perto, enfim, aniquilados ao prender, matar, limitar a circulação, fixar em zonas periféricas e etc. É que Narciso acha feio tudo que não é espelho, já diria, mais uma vez, o sempre genial Caetano Veloso.

Dessas reflexões que vão (muito) longe e que, por ora, encerro aqui fica sempre uma mensagem muito clara para mim: amar (mesmo) é um ato revolucionário e só ama quem tem coragem o bastante pra lidar com esse desafio porque sabe que, por mais que nem tudo sejam flores, esse amor “sólido” é que nos impulsiona a querermos ser melhores seja como pessoa ou sociedade. Parece distante e utópico, mas está dentro de nós: ame profunda e verdadeiramente. Até quem você não conhece.

*Anna Carolina Cunha Pinto, colunista da Revista Prosa, Verso e Arte, escreve sobre suas percepções do mundo associando-as com conteúdos de Filosofia e Sociologia. Formada em Direito pela Universidade Cândido Mendes, mestranda em Sociologia e Direito pela UFF e apaixonada por filosofia.

Fonte: Revista Prosa e Verso

FRASES ILUSTRADAS

sexta-feira, 27 de maio de 2022

LIBERDADE AOS PÁSSAROS

LIBERDADE AOS PÁSSAROS
Em decisão histórica, Índia proíbe pássaros em gaiolas*


A corte de Nova Deli, na Índia, decidiu que pássaros têm direito de viver com dignidade fora de gaiolas, voando livremente.

Segundo a imprensa indiana, o juiz Manmohan Singh afirmou em sua decisão que comercializar pássaros em gaiolas é uma violação de seus direitos.

“Tenho clareza de que todos os pássaros no céu têm o direito fundamental de voar no céu e nenhum ser humano tem direito de detê-los em gaiolas, com fins comerciais ou quaisquer outros“, afirmou o juiz.

Se existe um animal que é a mais profunda representação da liberdade, é o pássaro. Porém, em um mundo onde o ser humano insiste em se colocar à frente da natureza, milhares deles passam a vida toda em uma gaiola, transformando-se em animais de estimação, quando na verdade deveriam estar voando. Uma ideia absurda, que a Índia decidiu banir em decisão histórica, proibindo o encarceramento de pássaros em gaiolas.

Diferente de muitos países ocidentais, a Índia possui um histórico de lutar pelo bem estar dos animais. Não é a primeira vez que a Índia age no sentido de reconhecer os animais como seres sencientes com direitos fundamentais. O tribunal superior do país baniu os shows com golfinhos cativos em 2013, argumentando que eles têm um alto nível de inteligência que possibilita considerá-los “pessoas não humanas”. A produção de cosméticos testados em animais, o sacrifício de animais em rituais religiosos, o foie gras e as rinhas de cães também são proibidos no país, a fim de proteger os direitos básicos dos animais.

O outro tribunal emitiu decisão, comentando que “esta corte tem a opinião de que realizar o comércio de pássaros é uma violação aos seus direitos. Eles merecem compaixão. Ninguém está se importando se eles foram vítimas de crueldade ou não, apesar de uma lei que diz que as aves têm o direito fundamental de voar e não podem ser engaiolados, e terão de ser soltos no céu. Pássaros têm direitos fundamentais que incluem o direito de viver com dignidade e não podem ser submetidos à crueldade por ninguém”, incluindo a reivindicação feita pelo correspondente (Mohazzim).

Uma decisão que merece aplausos!

* com informações do jornal Correio do Brasil.

Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com
Não se pode ensinar tudo a alguém, pode-se apenas ajudá-lo a encontrar por si mesmo. (Galileu Galilei, astrônomo italiano, 1564-1642)

LUGARES

LIUBLIANA - ESLOVÊNIA
Liubliana (em esloveno: Ljubljana; em alemão: Laibach; em italiano: Lubiana; em latim: Labacum) é a capital e maior cidade da Eslovênia com cerca de 272 220 habitantes. Liubliana é a sede do município urbano de mesmo nome. O rio Lublianica marca e divide o centro da cidade em dois. De um lado, a parte antiga e o acesso ao castelo, do outro a parte comercial e política da cidade. No centro se encontra a igreja principal, dedicada à Ordem Franciscana. São poucos os resquícios do passado comunista na cidade, apesar da independência recente, obtida no começo da década de 1990.

MR. MILES


Vizinhos de poltrona
Nosso incansável viajante está de partida para Gudvangen, na Noruega, onde será padrinho de casamento de Peer e Kaila, ele filho de sua velha amiga Nia, ex-companheira de caminhadas no gelo do Ártico. É, ao que tudo indica, promessa de novas histórias.
A seguir, a correspondência da semana:

Prezado Mr. Miles: viajo muito sozinho e gosto de minha privacidade. Muitas vezes, porém, nos voos intercontinentais, sou “brindado” com a companhia de vizinhos que puxam conversa e contam histórias o tempo inteiro. O que devo fazer para livrar-me dos inconvenientes?
Otávio Arguello, por email

Well, my friend: uma longa viagem de avião é um periodo de estranhas convivências. Exceto nas raras vezes em que a aeronave tem muitos lugares vazios, somos sempre colocados na companhia de alguém com quem, de uma maneira ou de outra, desenvolveremos enorme proximidade física — sobretudo nos assentos cada vez mais estreitos das empresas aéreas. É desejavel e very polite que, ao menos, se cumprimente o vizinho de infortúnio (ergométrico e não outro, porque, afinal, ele também está viajando). Essa simples medida evitará, for instance, que, como dois seres primitivos, ambos fiquem disputando a cotoveladas o exíguo apoio de braços que os separa (ou une?).

O restante do relacionamento é uma questão de convenção. Há os que, como você, preferem uma quase utópica privacidade. Há, as well, os que buscam um contato verbal civilizado — e você ficaria surpreso, fellow, se soubesse quantas boas amizades podem nascer em tais ocasiões. Existem, também, of course, os fanfarrões. Essa espécie, I agree, pode ser mais inconveniente do que uma noite de turbulências. Nesses casos, I’m afraid, só nos resta lamentar a má sorte ou, em caso de apuro comprovado, recorrer à infalível solução do sonífero na bebida alheia, providência que, shame on me!, já tive de tomar certa feita.

Entre passageiros educados, a senha utilizada para abortar uma conversação é aproveitar uma brecha e abrir um livro. Raras vezes não funciona. Utilizo-a com parcimônia e apenas quando estou very tired. Em regra geral, agrada-me trocar idéias com alguém que está compartilhando de meu destino. A prática, however, já me ensinou a distinguir até onde pode ir um relacionamento tão fortuito e improvável como são os que ocorrem em aviões de longo alcance. Os latinos, de forma geral, serão mais loquazes e emocionais. Houve uma ocasião em que minha vizinha venezuelana lamentou-se a tal ponto que, ainda no meio do Atlântico, fui forçado a dissuadi-la de sua idéia de suicidar-se. Fiz com que ela visse que Juanito, afinal, era um cafajeste, matar-se por ele era dar valor demasiado a um pústula, and so on.

As cartas que recebi mais tarde comprovaram que fui convincente.

Europeus serão, often, mais reservados. Mas não lhes deem muita bebida, my God! Já quando viajo ao lado de orientais — sobretudo japoneses —, procuro ser apenas cortês e reverente. Embora os costumes venham mudando, nunca foi de bom tom enchê-los de perguntas. Minha saudosa amiga Pearl (N.da R.: Pearl S. Buck, escritora norte-americana, Prêmio Nobel de Literatura), contou-me que, certa vez, na casa de uma sua amiga perto de Tóquio, observou a presença de uma mulher silenciosa dividindo a sala com ambas. Movida por sua curiosidade de autora, inquiriu sua amiga sobre a mulher. “ É minha irmã. Casou-se há vinte anos e quatro dias depois voltou para casa” “O que aconteceu?” insistiu Pearl. “ Não sei. Jamais julgamos de bom tom perguntar”.

Uma dessas seria a sua vizinha ideal em um avião, não seria dear Otávio?

Fonte: Facebook

FRASES ILUSTRADAS

quinta-feira, 26 de maio de 2022

GALINHAS

GALINHAS
("Galinhas", do anarquista Rafael Barrett, Paraguai, 1910.)

Enquanto não possuía nada além da minha cama e dos meus livros, eu estava feliz. Agora eu possuo nove galinhas e um galo, e minha alma está perturbada. A propriedade me tornou cruel.

Sempre que comprava uma galinha amarrava-a dois dias a uma árvore, para impor a minha morada, destruindo em sua memória frágil o amor à sua antiga residência. Remendei a cerca do meu quintal, a fim de evitar a evasão dos meus pássaros, e a invasão de raposas de quatro e dois pés. 

Eu me isolei, fortifiquei a fronteira, tracei uma linha diabólica entre mim e meu vizinho. Dividi a humanidade em duas categorias; eu, dono das minhas galinhas, e os outros que podiam tirá-las de mim. Eu defini o crime. O mundo encheu-se para mim de alegados ladrões, e pela primeira vez eu lancei do outro lado da cerca um olhar hostil.

Meu galo era muito jovem. O galo do vizinho pulou a cerca e começou a corte das minhas galinhas e a amargar a existência do meu galo. 

Despedi o intruso a pedrada, mas eles pularam a cerca e aovaron na casa do vizinho. Eu reclamei os ovos e meu vizinho me odeia. Desde então vi a cara dele na cerca, o seu olhar inquisidor e hostil, idêntico ao meu. Suas galinhas passavam a cerca, e devoravam o milho molhado que consagrava aos meus. As galinhas dos outros me pareciam criminosas. Persegui-os e cego pela raiva matei um. O vizinho atribuiu grande importância ao atentado. Ele não aceitou uma indemnização pecuniária. Retirou gravemente o corpo do seu frango, e em vez de comê-lo, mostrou-o aos seus amigos, o que começou a circular pela aldeia a lenda da minha brutalidade imperialista. Tive que reforçar a cerca, aumentar a vigilância, aumentar, em suma, meu orçamento de guerra. O vizinho tem um cão determinado a tudo; eu pretendo comprar uma arma.

Onde está minha antiga tranquilidade? Estou envenenado pela desconfiança e pelo ódio. O espírito do mal tomou conta de mim.

Eu era um homem.

Agora eu sou um dono.

Fonte: Facebook, da página Philosofando
Em tempos de embustes universais, dizer a verdade se torna um ato revolucionário. (George Orwell)

LUGARES

SAN FRUTTUOSO - ITÁLIA
 

Situada numa baía muito bonita, a Abadia de SanFruttuoso foi construída entre 10 º e 13 º século.

 

Originalmente um mosteiro beneditino, a Abadia de San Fruttuoso tornou-se propriedade dos Príncipes Doria por alguns séculos. Uma caminhada de duas horas, entre pinheiros e oliveiras, chega-se a Portofino. A visão do alto é deslumbrante. O retorno também é feito através de barcos.

NÃO TROPECE NA LÍNGUA


CRASE COM PRONOMES DEMONSTRATIVOS E COM QUE

A crase também ocorre com os pronomes demonstrativos aquele(s), aquela(s) e aquilo. Isso acontece quando a expressão anterior é acompanhada da preposição a, que se aglutina ao a inicial desses pronomes. Pronuncia-se um A só. Na escrita, também fica um A só, mas com acento grave:
  • Refiro-me a aquele homem. > Refiro-me àquele homem.
  • Refiro-me a aquela mulher. > Refiro-me àquela mulher.
  • Não me refiro a aquilo. > Não me refiro àquilo.
Analisemos a mesma frase com o uso dos outros pronomes demonstrativos. Veremos que com eles a crase é impossível, pois não começam pela vogal a: “Não me refiro a isso, refiro-me a esta questão, não me refiro a esse tema”.

Muitas pessoas estranham o acento numa palavra masculina como “aquele”. Vale lembrar que a crase implica duas vogais idênticas, portanto o que conta é a fusão do preposição com a letra a que dá início ao pronome. Vejamos alguns exemplos:
  • Comprei um vaso semelhante àquele que recebi de presente o ano passado. > semelhante aquele
  • Todas as minhas taças são iguais àquelas que vovó tinha. > iguais a + aquelas
  • Cumpre seu papel com respeito absoluto àquilo que de melhor lhe foi transmitido por seus pais. > respeito a + aquilo
  • Ganhei uma toalha idêntica àquela que me deste no Natal. 
  • Todos os diretores devem ficar cientes. Comunique o fato primeiro àquele que você considera mais importante. 
  • O plano é um desafio àquelas convenções estabelecidas no acordo. 
  • Dirigiu-se àquela moça que vimos ontem no Jornal do Meio-Dia. 
  • Agradeço a meus pais e àqueles que sempre confiaram em mim. 
  • Sabes a quem vou escrever? Àquele amigo de infância que se mudou para Olinda quando estávamos na 6ª série. 
  • Os recursos serão destinados somente àqueles empresários em dia com o IR. 
  • Prefiro esta proposta àquela.
O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, quando este benefício anteceder àquele (Lei 8.213/91).

--- A crase está relacionada a um substantivo feminino, como você já falou. Mas vi um à craseado na frente de um “que”. Está correto?  A frase era assim: Espero que você compre uma peça idêntica à que você quebrou. Adroaldo, São José/ SC

Trata-se de caso menos comum; é uso correto. Na verdade, a crase aí ocorre não pelo pronome relativo “que”, mas por causa de um substantivo feminino subentendido, que está oculto justamente porque se pretende evitar sua repetição:
  • Disse que tinha amor à vida, “à [vida] que tinha antes do acidente”, frisou com pessimismo.
  • Espero que você compre uma peça idêntica à [peça] que você quebrou.
  • Ganhou uma moto igual à [moto] que havia comprado um mês antes.
Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS

quarta-feira, 25 de maio de 2022

DE VOLTA PARA O FUTURO - 2

DE VOLTA PARA O FUTURO - 2
José Horta Manzano

O esfacelamento da União Soviética, no início dos anos 1990, abriu as portas da Rússia para as grandes empresas ocidentais. O país estava na lona. Precisava de recauchutagem completa Foi nessa leva que entraram as montadoras de automóveis.

Os russos deram adeus aos velhos Lada, aqueles carros tipo pé de boi de fabricação soviética que o Brasil chegou a importar nos anos 1980 e dos quais a gente costumava dizer que até a chave já vinha enferrujada.

Trinta anos se passaram, e a implantação das grandes construtoras automobilísticas se firmou e se reforçou. Até outro dia, estavam produzindo a todo vapor para um mercado de 145 milhões de consumidores.

Nisso, Vladímir Putin teve a estúpida ideia de invadir a Ucrânia. E veio a guerra. E vieram as sanções econômicas. E tudo parou. Nesse embalo, as montadoras europeias puxaram o carro (expressão caseira que cai bem neste caso). Entre as que se foram, está também a francesa Renault, atual proprietária da antiga Avtovaz, que fabricava o Lada.

No entanto, com ou sem guerra, o mercado russo continua exigindo carros. Mas, sem os estrangeiros, como fazer? A importação está fechada. Insumos, peças e componentes eletrônicos importados não entram mais no país.

As autoridades de Moscou decidiram engatar o modo desespero. Tomaram uma decisão que representa um retrocesso de três décadas na produção de automóveis no país.

Foram-se embora as montadoras? Sem problema. Ressuscita-se a velha Avtovaz e vamos em frente.

Faltam câmeras de ré? Sem problema. Põem-se à venda veículos sem câmera.

Faltam sistemas de freio ABS? Sem problema. Os carros novos vêm sem freio ABS.

Faltam airbags? Sem problema. Carro novo não precisa de airbags. Nem frontais, nem laterais.

Um decreto emitido pelo Executivo russo acaba autorizar que carros novos sejam comercializados sem uma série de equipamentos de segurança que eram exigidos até agora. Na Rússia, mudam-se leis com a mesma facilidade com que se mudam no Brasil.

Num país onde o número de acidentes de carro já está acima da média mundial (e se aproxima do assustador morticínio brasileiro), analistas acreditam que haverá 2000 ou 3000 mortos a mais por ano.

O decreto governamental afrouxa também as normas de emissão de gases poluentes. Volta-se ao que vigorava em 1988.

Fonte:brasildelonge.com
Quando os pais já construíram tudo, aos filhos resta derrubar. (Karl Kraus, escritor austríaco, 1874-1936)

LUGARES

ROMA - ITÁLIA
(Embaixada do Brasil)

CATARATA, ADEUS

CATARATA, ADEUS
Ruy Castro

O que posso e não posso fazer entre as duas cirurgias

Minha oftalmo, dra. Marize Pereira, não pode saber que vou escrever esta coluna. Estou entre duas cirurgias de catarata. A do olho esquerdo foi há dias, a do direito será em outros tantos, e suas recomendações foram as de que, além do colírio de hora em hora, eu mantivesse certa distância do computador e evitasse abaixar a cabeça para calçar o tênis ou pegar clips no chão. Muito simples. O que não falta, no entanto, são palpites de amigos sobre o que posso e não posso fazer. Tantos palpites, aliás, que resolvi tomar nota para segui-los à risca.

Segundo eles, posso botar os telefonemas em dia. Ouvir futebol pelo rádio. Escutar o que me falta de Duke Ellington. Tomar sorvete. Escrever mentalmente. Comer banana. Assobiar --se não souber, como é o caso, aprender. Cantar —de preferência, a sotto voce ou à bocca chiusa. Jogar bilboquê —esporte abandonado há décadas. Contar piadas —prática hoje quase clandestina, já que elas só têm graça se forem politicamente incorretas. Descascar tangerinas. Passear nas Paineiras. Dormir.

Em compensação, a lista do que não posso fazer é enorme e está exigindo grande força de vontade. Eis algumas. Tirar cisco do olho. Piscar (e menos ainda perto de uma mulher —posso ser mal interpretado). Reler "Guerra e Paz". Ler de modo geral —bulas de remédio e informação nutricional em potes de iogurte, então, nem pensar. Participar de seminários sobre a Semana de Arte Moderna. Tocar pandeiro.

Enfiar a linha numa agulha. Procurar a dita agulha num palheiro. Procurar o dito palheiro. Praticar tiro ao alvo. Dançar funk. Jogar malabares. Disputar maratonas. Ter crise de soluços. Entrar em combustão espontânea. Ir de férias para a Ucrânia.

E mais proibido do que tudo: ver televisão. Bolsonaro ou um de seus asseclas pode aparecer na tela e eu me perguntar se vale a pena voltar a enxergar direito.

Fonte: Folha de S. Paulo

FRASES ILUSTRADAS

terça-feira, 24 de maio de 2022

PAPAI, TODO MUNDO MORRE?

PAPAI, TODO MUNDO MORRE?
Antonio Prata

Não dá pra dizer que a pergunta me pegou de surpresa. Temia por este momento desde muito antes de ter filhos, desde que percebi, ainda na adolescência, que tinha tão pouca fé em qualquer faixa bônus para além da última diástole quanto coragem para transmitir a má notícia a uma criança.

O que eu ia falar quando chegasse a hora? "Veja, meu filho, a vida é uma improbabilidade absurda decorrente de fenômenos físicos e químicos aleatórios controlados por nada ou ninguém e a consciência, isso que chamamos de 'eu', nada mais é do que uma tempestade de descargas elétricas e liquidinhos entre neurônios; quando a gente morre desliga-se a chave geral, fecham-se as comportas, a consciência desaparece e o nosso corpo é comido por vermes e bactérias. Toma, lê aqui 'A Origem das Espécies' e 'Memórias Póstumas de Brás Cubas'." Não. Não ia rolar.

O medo daquele instante, contudo, não me levou a pensar numa estratégia, a elaborar um discurso, a gastar cinco minutos numa das 20 visitas ao pediatra para pedir um conselho. Já havia quatro anos que os deliciosos circuitos neuronais mais conhecidos como Olivia estavam entre nós, dois e meio que as sinapses do Daniel vinham nos dando o ar de suas graças e mesmo assim fui pego absolutamente desprevenido, ralando um queijo sobre a sopa de ervilhas, na hora do jantar: "Papai, todo mundo morre?"

A pergunta, como você há de ter percebido, chegou enviesada, prenhe da resposta que a Olivia gostaria de ouvir: "Não, filhota, imagina! Só morrem umas pessoas nada a ver, gentios ou infiéis que a gente nem conhece, além dos peixes, galinhas, porcos e bois das refeições. Eu, você, o Dani, a mamãe, a família, os amigos e todo o Grupo 2 e 3 da escola vamos viver pra sempre, relaxa e come aí a sua sopa".

Sem saber como sair da enrascada, resolvi apelar para a verdade: "Sim, Olivia, todo mundo morre". Infelizmente, como sói acontecer, a verdade não foi muito bem recebida. "Mas eu não quero morrer, papai! Eu não quero morrer!". Pensei melhor no assunto e resolvi mentir um pouquinho: "Minha filha, a gente só morre quando fica muito, mas muito, muito velho". "Então a bisa Augusta vai morrer! Ela é muito, muito, mas muito velha!".

Já que eu estava com a ficção pelas canelas, decidi mergulhar de vez: "Não, Olivia. A bisa Augusta é jovem, ela ainda tá com 97, só morre muuuuuuito mais velha do que isso".

Servi a sopa. Olivia ficou encarando as ervilhas com uma concentração shakespeariana. Cada bolinha verde, uma caveira de Yorick. Então ergueu os olhos, séria. "Papai, na minha classe, no Grupo 3, tem um menino que chama Baltazar". Tremi nas bases. Iria ela me dizer que a mãe do Baltazar, do Grupo 3, tinha morrido? O pai? A mãe E o pai? O próprio Baltazar? Como eu iria explicar que tinha mentido, que a vida era isso aí mesmo, uma barafunda inglória em que crianças morrem, bandidos viram presidentes e CEOs, poetas passam fome e o Gugu Liberato nada em milhões? "O Baltazar, do Grupo 3, papai... Ele levou de lanche, outro dia, uma mexerica sem caroço!".

"É mesmo, Olivia?! Uma mexerica sem caroço?! Que legal! Eu vou comprar pra você uma mexerica sem caroço! E melancia sem caroço! E uva sem caroço! Vamos encher essa casa de fruta sem caroço, eu prometo!". Abracei cada um deles bem forte, entreguei as colheres de sopa e me escondi atrás da geladeira, onde dei uma chorada rápida antes de voltar com os guardanapos.

Fonte: Folha de S. Paulo
Nunca é demasiado tarde para teres uma infância. Mas a segunda somente depende de ti. (Regina Brett)

LUGARES

TOMAR - PORTUGAL
Tomar é uma cidade portuguesa pertencente ao distrito de Santarém, na província do Ribatejo na região do Centro e sub-região do Médio Tejo, tendo 19 654 habitantes. É sede do município de Tomar com 351,2 km² de área e 40 677 habitantes, subdividido em 11 freguesias. Wikipédia

ROMANCE FORENSE

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Charge de Gerson Kauer

O usucapião da mulher

Por Maurício Krieger, advogado (OAB/RS nº 73.357)

Em um famoso bar da cidade de Porto Alegre, três amigos se reúnem em uma sexta-feira depois do trabalho para conversar. Tinham sido colegas de faculdade de Direito e hoje dois seguem a carreira de advogados e outro de juiz. (Este não é daquele grupo que fixa honorários em R$ 200...).

Entre algumas conversas e muitas cervejas, um dos advogados conta uma história absurda, da qual garante ter sido participante.

Vocês não vão acreditar no pedido que um cliente me fez. Ele queria entrar com uma ação para usucapir uma mulher que estava, há cinco anos, tendo um caso com ele. Mas ela namorava – fixo! – um outro cara. O cliente insistiu que a posse que ele mantinha sobre a dita cuja, era mansa e pacífica, porque o namorado oficial dela sabia da história e não fazia nada para impedir.

Há um silêncio na roda, com expressões de incredulidade dos dois restantes e do garçom curioso que está de pé próximo. O advogado volta à carga:

- Expliquei ao cliente que essa seria uma demanda impossível, sem fundamento jurídico, que não preencheria as condições da ação e que eu ainda corria o risco de ser denunciado à OAB, caso patrocinasse uma coisa tão absurda como essa. Foi quando, então, o cliente me disse que procuraria a Defensoria Pública.

- Esse homem tem que ser internado numa clínica para loucos – objetaram, em conjunto, uníssonos, os outros dois integrantes da roda.

É quando o abelhudo garçom que havia escutado a história resolve palpitar:

- Doutores, me desculpem a intromissão. Eu não entendo nada de direito, mas a única coisa que eu entendi não é que a posse sobre a mulher seja mansa e pacífica. Verdade mesmo é que o namorado dessa dona é que é um corno manso e pacífico!

Fonte: www.espacovital.com.br