Renato Terra
Em meio às músicas no talo, uma pessoa se sentou na areia de fones para ouvir um áudio com o barulho do mar
Tudo começou quando um agente invisível se espraiou pelo ar. Entre odores de queijo coalho, milho cozido, bronzeador e maresia, ele estava lá: o sinal de Bluetooth. Foi a porta que abriu caminho para a invasão da variante JBL.
A coisa foi se alastrando. O barulho do mar, as conversas e os tradicionais chamados dos vendedores ambulantes começaram a ser interrompidos por pequenas caixas de som que pipocavam aqui e acolá.
Nem Osmar Terra apostaria que o crescimento seria tão rápido. Agentes invasores dotados de excepcional capacidade de amplificação e uma colossal falta de noção subjugaram todo organismo praiano às rajadas estridentes.
Um comitê de estudiosos formado na barraca Caipirinhas da Leila fez um alerta: "É axé, rock, música eletrônica, sertanejo, pop, salsa, o caralho o dia todo. Não é questão de rico ou pobre, mermão. É questão de educação mermo", sublinhou o porta-voz Jorge Cabelinho, aos prantos. "Bolsonaro deveria decretar cem anos de silêncio nessas caixas de som", completou o general aposentado Alaôr Pederneiras.
Ciente da calamidade, Tedros Adhanom resolveu agir: "Era preciso tomar alguma medida para conter essa situação dramática. Por isso a OMS vai declarar pandemia de caixas de som na praia", berrou.
Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, tomou medidas rápidas e decretou o lockdown de caixas de som. "Não dá pra pedir pros incomodados botarem máscara no ouvido", justificou, com um megafone.
A decisão provocou ruidosas reações de todas as esferas políticas.
Grupos de direita iniciaram um movimento pela liberdade de levar caixas de som para a praia. "Não vamos nos ajoelhar diante da ditadura do silêncio. Quem não quiser ouvir música alta que não venha à praia", bradou Daniel Pereira.
Grupos de esquerda interpretaram a medida como um ato de opressão social. "É a burguesia da zona sul incomodada com o funk. Mas, dessa vez, não passarão: quem não quiser ouvir música alta que não venha à praia", bradou Eloá Paranauê.
Os argumentos de Pereira e Paranauê, no entanto, não foram ouvidos por causa da confusão sonora que vinha das caixas de som.
Em meio aos sons, certezas surdas e músicas no talo, uma pessoa se sentou na areia. Botou um fone de ouvido, no último volume, para ouvir um áudio com o barulho do mar.
Fonte: Folha de S.Paulo
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