Atila Iamarino
Mudança pode custar caro, pois ainda estamos na lua de mel da Covid
Esta semana começou com o ministro da Saúde anunciando que deve publicar o fim da emergência de saúde pública pela Covid. Antes de tudo, convém perguntar: desde quando o governo federal age como se estivéssemos em uma emergência?
O decreto a ser suspenso foi feito em fevereiro de 2020, quando o ministério ainda agia contra o contágio do vírus. Mas, desde março do mesmo ano, as ações do governo federal promovem o contágio. Há tempos não se age de acordo com a emergência que passamos.
Mesmo assim, essa medida pode custar caro.
Ainda estamos na lua de mel da Covid, aquele período de calmaria depois da imunização massiva. Mas não sabemos quanto essa calmaria pode durar. E o foco deveria estar em medidas que mantenham esse bom cenário por mais tempo. Como a readequação de ambientes para aumentar a ventilação –algo que nos protege inclusive dos próximos vírus respiratórios que virão. E principalmente o aumento da cobertura vacinal. Ainda temos milhões sem duas doses de vacina, precisamos de uma campanha para a dose de reforço e a vacinação infantil tem deixado muito a desejar.
Atualmente, sem máscaras em locais fechados e a volta de aglomerações garantem que a única barreira contendo o coronavírus no Brasil é a imunidade. E essa é uma barreira permeável que já vimos variantes furando, por conta de dois fenômenos que ainda são muito importantes.
A variante delta se aproveitou da queda natural da imunidade contra o coronavírus que acontece em curados e vacinados. E a ômicron mudou o suficiente para, além disso, escapar da resposta imune que permanece.
Nos dois casos, vimos ondas em vários países, mesmo onde a cobertura vacinal chegava em índices como os nossos atuais.
O mínimo que podemos esperar da Covid são temporadas sazonais, quando a queda de imunidade e condições ambientais (como o inverno) se somam. Sem falar na possibilidade real e com precedes de termos novas variantes com mais escape imune. Dadas essas condições, teremos outras ondas. Mas ondas que são causadas por versões cada vez mais transmissíveis do vírus, conforme sua evolução continua.
A ômicron, que varreu o mundo em dezembro e janeiro, mostrou quão mais transmissível o vírus está do que em 2020. E ela já gerou novas variantes ainda mais transmissíveis, que estão causando dores de cabeça nos EUA e na China, que só não sentimos na pele e nos hospitais aqui porque as vacinas continuam funcionando.
Isso quer dizer que as próximas ondas de Covid podem ser súbitas como a última. Enquanto as vacinas funcionarem, não veremos tantos óbitos quanto nos anos 2020 e 2021, o que é ótimo. Mas uma onda de casos desse tipo ainda causa grandes prejuízos.
Sem barreiras, quando o vírus pode infectar a maioria rapidamente, mesmo casos mais leves podem tirar muitas pessoas do trabalho. Assim que as máscaras deixaram de ser obrigatórias em aviões no Reino Unido, vários voos precisaram ser cancelados por conta da tripulação doente.
Hospitais viraram um campo minado para pacientes com outras condições que estão vulneráveis a quem chega infectado, mesmo que essas pessoas estejam buscando atendimento com Covid e não por causa da Covid.
O resultado é que muitos perdem exames, atendimento e até ambulâncias por conta de pacientes e profissionais da saúde com o vírus. Isso em um sistema de saúde que já passou pelos últimos dois anos de pandemia.
O fim da pandemia não é claro como o fim de uma guerra, com a rendição de um lado ou um tratado de paz. O vírus não cansou nem foi avisado de que a emergência acabou. Pelo contrário, ele continua se especializando em nos infectar. Cabe a nós tomarmos as medidas que garantem a paz.
Fonte: Folha de S. Paulo
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