Pedro Hallal
Impactos da pandemia na saúde da população brasileira
Em todo o mundo, 7 em cada 10 mortes são causadas por doenças crônicas não transmissíveis, como câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas. No Brasil, em 2019, 54,7% das mortes foram causadas pelas doenças crônicas não transmissíveis, além de outras 11,5% que foram consequências de seus agravos.
Nos últimos dois anos, a Covid-19 colocou as doenças crônicas não transmissíveis ainda mais em evidência, uma vez que as comorbidades crônicas aumentaram os riscos de internações e mortes por Covid-19. Ao mesmo tempo, com a atenção direcionada para a emergência em saúde, a assistência às doenças crônicas não transmissíveis foi menos priorizada, aumentando as dificuldades de acesso a novos diagnósticos e a tratamentos oportunos.
E essa não é uma situação pontual. Os reflexos do que temos vivido desde o início de 2020 serão sentidos nos próximos anos e, até mesmo, décadas. Por isso, estamos em um momento decisivo para investirmos em um futuro mais saudável para brasileiras e brasileiros.
Os governos precisam priorizar investimentos inteligentes e estratégicos, o que exige o fortalecimento da capacidade analítica dos gestores de maneira intersetorial. E isso só pode ser feito se tivermos um monitoramento robusto e atualizado, que mostre um retrato fiel da situação de saúde da população, e oriente as prioridades, o planejamento e ações para redução da morbimortalidade.
A informação é um recurso ainda mais valioso em um país como o Brasil que, com dimensões continentais, apresenta desigualdades socioeconômicas e regionais gritantes. E, por aqui, assim como acontece em todo o mundo, as doenças crônicas não transmissíveis atingem as pessoas de maneira desigual, afetando especialmente as populações mais vulneráveis, como as de baixa renda e com menor escolaridade.
Nesse cenário, são imprescindíveis inquéritos como o recém-lançado Covitel (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia). Desenvolvida por meio de uma parceria entre a academia e a sociedade civil, a pesquisa responde à urgência do momento, trazendo resultados de relevância para a construção de conhecimento sobre a influência da Covid-19 nos fatores de risco para as crônicas não transmissíveis na população adulta do Brasil.
Resumidamente o Covitel mostra que a pandemia atrapalhou o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil, aumentando alguns comportamentos de risco, como a inatividade física, por exemplo, e interrompendo a tendência de melhora em outros, como o tabagismo. Além disso, a pandemia agravou as desigualdades na ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis.
É importante ressaltar que, em grande medida, as doenças crônicas não transmissíveis são evitáveis e estão relacionadas às condições de vida das pessoas, determinadas pelo acesso a bens e serviços públicos, garantia de direitos, acesso à informação, emprego e renda e possibilidades de fazer escolhas favoráveis à saúde.
Os principais fatores de risco para o adoecimento —tabagismo, consumo de álcool, alimentação não saudável e inatividade física— podem ser modificados pela mudança de comportamento. As políticas públicas têm o poder (e o dever) de fazer com que as escolhas saudáveis sejam as escolhas padrão da população. Elas podem tornar os espaços públicos livres da fumaça do tabaco, informar os consumidores com rótulos adequados de alimentos industrializados e promover cidades inteligentes, que criam espaços mais seguros para caminhar e andar de bicicleta, por exemplo.
Precisamos investir em uma agenda baseada em dados, trabalho conjunto, enfrentamento de desigualdades e, claro, combate às doenças crônicas não transmissíveis. Com inteligência em saúde pública, prevenimos doenças, promovemos a qualidade de vida e, principalmente, salvamos vidas. Isso ao mesmo tempo em que otimizamos recursos, reduzindo os custos destinados a tratamentos e consequências da perda da produtividade de uma população adoecida.
Fonte: Folha de S. Paulo
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