Ruy Castro
Nos arrastas de 1967, ao ouvir 'A Whiter Shade of Pale', as moças corriam para o banheiro
Supõe-se que, quando morre um artista, devemos nos referir a ele de maneira sóbria, respeitosa. Mas, ao saber há dias da morte de Gary Brooker, líder do antigo grupo Procol Harum, uma veterana das festas de apartamento dos anos 60 comentou: "Em 1967, eles estouraram com ‘A Whiter Shade of Pale’, que durava uns cinco minutos. Assim que alguém botava o disco e vinha aquela voz cantando ‘We skipped the light fandango...’, corríamos em massa para o banheiro, a fim de ajeitar os cílios ou desamassar a minissaia. Imagine ser tirada para dançar por um rapaz de quem não se estava a fim e ter de aturá-lo pelo tempo daquela música chatérrima e interminável!".
No Rio, essas festas eram chamadas de "arrasta", por serem arrasta-pés, festas para dançar, e porque se arrastavam os móveis para aumentar a sala. Tomava-se cuba libre, que era rum com Coca-Cola, e hi-fi, vodca com Crush —no dia seguinte, Melhoral. A música era à base de discos, e o repertório, a cargo de todo mundo. E, segundo minha amiga, "A Whiter Shade of Pale" não era a única chatice.
"De cortar os pulsos era ‘The House of the Rising Sun’, um disco de 1964 do The Animals", disse ela. "Como chegou até 1967 não sei. Também levava cinco minutos, e o cara cantava como se o microfone fosse surdo. Mas nada era pior do que ‘Like a Rolling Stone’, de, com todo o respeito, Bob Dylan. Linha melódica repetitiva, a ideia idem, aquela voz pelo nariz, aquela gaitinha —e por sete minutos. Imagine dançar aquilo com um rapaz de mau hálito!".
Minha informante, como se vê, não queria deixar para 1968 suas certezas de 1967. Mas talvez seja um pouco suspeita —naquela época, ela só queria saber dos Beatles.
Quanto a mim, também garoto, mas que não gostava de dançar, preferia festas mais adultas, em que tomava uísque e discutia o Vietnã com alguma mulher deslumbrante, geralmente dez anos mais velha do que eu. Ao som de Thelonious Monk.
Fonte: Folha de S. Paulo
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