MÁSCARAS QUE CAEM E A MORTE DOS VELHOS NA EPIDEMIA QUE NÃO TERMINOU
Vinicius Torres Freire
Covid mata mais agora do que entre outubro de 2021 e janeiro de 2022
Todo mundo estava de máscara na padaria lotada no final da tarde de sexta-feira (18) em Higienópolis, bairro rico do centro de São Paulo. Era assim também no vizinho bairro de Santa Cecília, no sacolão frequentado por idosos de pequena classe média e pelo pessoal LGBTQIA+ e hipster da região.
Nas redes sociais, conhecidos próximos publicam as fotos do momento "dois anos depois", da volta de encontros, almoços e jantares com grupos grandes. A diarista conta que em Carapicuíba, cidade da periferia de São Paulo, "o povo lá" pouco usa máscara desde o Natal, afora em ônibus e trem.
Tanto no Brasil como em São Paulo, o número de mortos de Covid por dia (395) ainda é maior do que era entre outubro de 2021 e fins de janeiro de 2022. Mas faz meses que as pessoas administram uma espécie de fim para a epidemia que não terminou. Não importa muito o que diga ou faça o governo, que em São Paulo acaba de liberar máscaras em lugares fechados. Não importa muito, mas importa. Máscara em lugar fechado e melhorias de ventilação ajudariam a conter o número de vítimas. A doença é perigosa e deixa sequelas mesmo em casos "leves". É preciso cuidar dos vulneráveis.
Durante a ômicron, mudou o perfil das mortes, que pesaram ainda mais sobre velhos e doentes. Nas últimas quatro semanas, 85% dos mortos de Covid tinha 60 anos ou mais (na epidemia inteira, 68%), no estado de São Paulo. Cerca de 95% dos mortos tinha mais de 60 anos ou uma comorbidade, na maioria cardiopatia ou diabetes.
A probabilidade de um vacinado saudável e jovem morrer de Covid é pequena, embora ainda não dê para calcular o risco, pois o governo paulista não divulgou dados sobre mortes e vacinação por idade. Com desolação, ouve-se mais gente falando de modo resignado, fatalista ou indiferente da morte de velhos e doentes.
No estado de São Paulo, entre as pessoas de 70 anos ou mais, um de cada 40 morreu de Covid. É impreciso, mas é dessa ordem, um massacre. A estatística de população é velha e imprecisa e há subnotificação de mortes.
Há fatalismos e fatos consumados, ressalte-se: o novo hábito da população e políticos que querem partir para as campanhas eleitorais decretando o fim da epidemia ou da máscara.
A mudança de ânimo era notável na virada do ano. Era evidente mesmo quando o número de mortos voltara a quase 900 por dia no Brasil, em meados de fevereiro. Por necessidade econômica, física, psicológica ou o que seja, o grosso da sociedade decidiu seguir adiante, mesmo com riscos e sinais de medo, quem sabe de mudanças estruturais. Pelo menos um quarto dos passageiros não voltou ainda ao transporte público na grande São Paulo (na comparação com 2019 ou 2018).
É verdade que houve alguma reação razoável ao avanço da ômicron. Em fevereiro, a média de doses de vacina aplicada por dia foi de 1,16 milhão, a maior desde outubro (em dezembro, a média fora de só 701 mil por dia).
No Brasil, mais de 74% da população recebeu pelo menos duas doses (84% em São Paulo). É uma taxa igual à da Alemanha, maior que a do Reino Unido e muito maior que a da vergonha dos Estados Unidos.
A ômicron BA.2 se espalha pela Europa. Circula no Brasil desde o fim de janeiro. Não dá para prever se vai fazer estrago, dizem cientistas. O inverno é estação propícia para a disseminação do vírus, mas está longe uns três meses. Até lá, porém, pode ser que a imunidade, por vacina ou infecção, tenha diminuído. No Brasil, apenas 40% das pessoas tomaram a dose 3 (54% em São Paulo). É preciso dar dose 4 aos idosos. Ainda é tempo de salvar vidas.
Fonte: Folha de S. Paulo
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