Josimar Melo
Viajar requer precauções, e quem sabe o melhor seja adiar o próximo passeio
E a gangorra alucinada continua. A cada dia, a cada semana, 2020 continua dando as caras, por mais que teoricamente tenhamos entrado num ano novo.
Quando olhamos o lado alto da gangorra, as notícias para os viajantes são entusiásticas. No Brasil, as companhias aéreas vinham anunciando um aquecimento sem precedentes em seu movimento. Anabolizados pelo período de férias de verão, os voos vinham lotando, acompanhando as ocupações recordes (e preços idem) nos hotéis Brasil afora.
Embora as rotas internacionais ainda não tivessem retomado o mesmo fôlego do passado, no final de dezembro a previsão era de que já no começo deste ano o movimento nos voos domésticos no Brasil estaria no mesmo nível de 2019, pré-pandemia. Adeus, crise.
Só que não. No lado baixo da gangorra, vê-se uma situação bizarra. Dois exemplos da loucura dos tempos atuais: no Brasil, dezenas de voos estão sendo cancelados. Falta de passageiros? Não necessariamente: o problema agora é uma inédita falta de tripulação, motivada pelo aumento de casos de Covid-19 e de gripe entre os trabalhadores aéreos.
Só nesta semana, a previsão era de cancelamento de 630 voos em duas companhias, Latam e Azul (isto com os dados da última terça-feira, 11; já pode até ter subido).
Já na Europa a situação é ainda mais bizarra. Por um lado, há também cancelamento de voos devido à baixa procura –um único grupo, o da Lufthansa (que inclui Swiss e outras), anunciou o cancelamento de três mil voos em janeiro e fevereiro.
Mas há também outro fenômeno: mesmo faltando passageiros, muitos voos continuam decolando... vazios! A mesma gigante Lufthansa já fez dezoito mil voos sem passageiros (!) neste inverno europeu.
A explicação: segundo as normas da Comunidade Europeia, se as companhias não honrarem 50% de seus voos, perderão seus slots nos aeroportos (ou seja, perdem o direito de usar as posições e horários reservados para operar suas aeronaves).
Antes da pandemia, a regra exigia cumprir 80% dos voos programados. Mas, mesmo tendo baixado o índice exigido, manter no ar metade dos voos, ainda que sem passageiros, é muito –basta imaginar a gigantesca e inútil emissão de carbono que isto acarreta (o que aliás levou a ambientalista Greta Thunberg a ironizar num tweet: "A União Europeia ligou mesmo o modo de emergência climática…").
Em todo este nonsense, a única coisa clara —e infelizmente, imutável— é que a pandemia é tão implacável quanto imprevisível. A cada dia seu enredo traz surpresas, e provoca reações frequentemente desastradas. Impossível entender como uma parte da humanidade ainda não percebeu que o mais prudente é combater de frente a doença.
Viajar requer precauções, e quem sabe a melhor delas seja adiar mais um pouco o próximo passeio. Enquanto isso, dá-lhe máscara, distanciamento e... vacina, é claro. A vacina evita sofrimento e mortes a quem contrai a doença –não por acaso, a maioria dos atuais mortos pela Covid-19 não havia se vacinado.
Um olhar cínico concluiria que cada um deles equivale a um extremista de direita a menos no mundo (e nas próximas eleições pelo mundo). Mas o fato é que eles não morrem sozinhos: a gravidade da doença em não vacinados provoca internações que podem produzir colapsos no sistema de saúde, produzindo mais mortes, e não somente de Covid.
Ironicamente, mesmo quem não quer se vacinar e prefere morrer deveria ser vacinado, pelo bem comum.
Fonte: Folha de S. Paulo
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