AS REVIRAVOLTAS DA PERTURBADA POLÍTICA BRASILEIRA
Sérgio Abranches
O ano de 2021 foi um período de vacinação como resistência, tentativas de golpe de Bolsonaro e reviravoltas na política.
O ano começou com a posse de prefeitos e vereadores eleitos em 2020, por todo o país. Mal sabiam eles que seriam duramente testados e, associados aos governadores, teriam que resistir às sandices e irresponsabilidades do governo federal, sob a batuta trôpega de Jair Bolsonaro. Governadores e prefeitos foram os verdadeiros protagonistas oficiais da vacinação. Antes, tiveram que passar pelo duro teste de ver as unidades de saúde de seus municípios e estados abarrotados de doentes, muitos infelizmente moribundos. A vacina promoveu a virada das mortes ao atacado para a queda sustentada de casos, hospitalizações e óbitos. Toda essa luta e todo esse sofrimento foram testemunhados pelo olhar perdido e frio, decorado pelo ríctus jocoso de Bolsonaro.
No primeiro dia de fevereiro, o Congresso renovou seus comandos. Rodrigo Pacheco (DEM/MG) foi eleito presidente do Senado Federal, apoiado por uma ampla coalizão de forças partidárias. Neste primeiro ano, teve comportamento ambivalente, ora associando-se às piores pautas do centrão, ora resistindo a abusos de Bolsonaro.
Arthur Lira (PP/AL) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados. A eleição de Lira consagrou a hegemonia do centrão na Câmara dos Deputados e permitiu a formação do primeiro governo do centrão da nossa história. Um retrocesso permitido pela miniaturização das bancadas partidárias principalmente na Câmara. A aliança Lira/Bolsonaro formou uma coalização de governo precária, predatória, perdulária e oportunista. A cara do centrão, do qual Bolsonaro e Lira foram soldados sem brilho.
No dia 8 de março, a política brasileira iniciaria uma reviravolta inesperada, fruto das reações às maquinações golpistas de Bolsonaro, que dirigia suas baterias contra o Supremo Tribunal Federal. O ministro Edson Fachin anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva relacionadas à Operação Lava-Jato. Com a decisão, Lula tornou-se elegível. No final de março, a 2ª Turma do STF decidiu, por 3 votos a 2, que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na condenação de Lula no caso do triplex do Guarujá. Mais adiante, todos os processos que estavam sob alçada da vara de Curitiba da qual Moro havia sido titular foram anulados e voltaram à estaca zero.
Também no final de março e, não por acaso, Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e, logo em seguida, os três chefes das Forças Armadas: Edson Pujol, do Exército, Antonio Carlos Moretti Bermudez, Aeronáutica e Ilques Barbosa Junior, da Marinha. Começava a preparação para a tentativa de ganhar apoio militar que faria no 7 de setembro. Ela era indispensável para operacionalizar o golpe que já estava em curso com os ataques ao STF e ao TSE.
Esses movimentos de 2021 haviam sido precedidos pela ocupação, logo nos dois primeiros anos de puro desgoverno, das agências de freios e contrapesos da democracia. Na Procuradoria Geral da República instalou Augusto Aras, conduzido ao cargo pela porta do fundos, para executar a missão de domesticar o Ministério Público e tirá-lo do encalço de Bolsonaro e seu clã. Assumiu também o controle da Funai, que foi quase totalmente demolida, com a anuência e cooperação de seu ministro da Justiça, Sérgio Moro. Tomou de assalto o Ibama e o ICMBio, por intermédio do Ministro do Meio Ambiente, o ardiloso inimigo da verdade, Ricardo Salles. Precisava controlar a Polícia Federal e, ao enfrentar oposição de Sérgio Moro neste quesito, desentenderam-se e Moro saiu direto do governo para a oposição e, um pouco mais tarde, para a candidatura à presidência.
A limpa na PF continua, com remoções e, algumas vezes, afastamento da lide regular de delegados incômodos, premiados com discutíveis adidâncias pelas embaixadas do Brasil afora. Todas as agências regulatórias estão sob controle de fiéis da linha ultradireitista de Bolsonaro e também agências cruciais na produção e circulação do conhecimento e da cultura, como o ministério da Educação, a Capes, o CNPq e a Secretaria de Cultura.
A saída de Moro aconteceu pouco após uma decisão brilhante e oportuna do ministro-decano do STF, hoje aposentado, Celso de Mello, que determinou a divulgação de patética reunião do ministério Bolsonaro. Um show de palavrões, ameaças e demonstrações narcísicas do presidente, acompanhado por demonstrações de vergonhosa submissão de seus ministros. Foi nela que Ricardo Salles propôs a estratégia do "golpe infralegal", ou a abertura da porteira para passar a boiada para ocupar e destruir o estado democrático, as políticas ambientais e de direitos humanos, enquanto a mídia se preocupava com o sofrimento e agonia do povo, no auge da pandemia. Disse isso praticamente assim, com todo o cinismo constante nesta proposta.
Bolsonaro conseguiu nomear dois ministros para o STF e tinha a esperança de nomear mais dois ou três, em seu segundo mandato. Este, parecia garantido ao final de 2019 e no alvorecer de 2021. Com a libertação e elegibilidade de Lula vale menos que um sonho de uma noite de verão.
No STF, seu primeiro nomeado, Nunes Marques, faria corar qualquer colegial que sonha com a carreira jurídica, principalmente. Uma personagem medíocre para substituir o brilho e o conhecimento constitucional enciclopédico de Celso de Mello. Nunes Marques já demonstrou sua pouca intimidade com o Direito e contenta-se em ser o tarefeiro da facção de ultradireitista que o levou ao STF.
O outro, André Mendonça, ainda não mostrou julgados porque tomou posse imediatamente antes do recesso. Mas, na entrada do ano, será testado. Não inspira confiança. Sua confraternização, após ser aprovado no Senado, foi com evangélicos que usam o púlpito para pregar políticas e atropelar a palavra bíblica. Foi, também, com Michelle Bolsonaro, que mal podia articular as palavras, tamanha sua excitação com a chegada de seu amigo ao STF. A celebração com o chefe Bolsonaro foi a gargalhadas, como a zombarem do Senado, do STF e do povo em geral. Tudo faz antever outro tarefeiro da ultradireita e da facção farisaica dos evangélicos. O figurino de Trump foi seguido à risca e terá consequências institucionais e judiciais duradouras e nefastas.
O ano de 2022 vai começar mal na economia. Pode haver, se tanto, um simulacro de recuperação econômica, com inflação e juros altos e desemprego irredutível a níveis aceitáveis. Na política, Bolsonaro tentará retificar o curso de seu golpe, desviado no fiasco do 7 de setembro de 2021. Voltará a atacar o STF, o TSE, o voto e as urnas. Tudo indica que tentará melar as eleições antes, durante e depois delas. Ao perder, tentará ter mais êxito do que Trump, sequestrando o Lexotan dos comandantes militares e de seu séquito de generais em pijamas, para poder tomar, com apoio militar, “uma atitude mais drástica” contra o Judiciário e outros "elementos" inoportunos no caminho de sua permanência no poder. É o que chamei de "golpe híbrido".
Desejo a todos os eventuais leitores desta página um feliz 2022 na vida pessoal e familiar, que estendo a todas as pessoas que queiram bem. Na vida coletiva, será um ano atormentado, de crise econômica e uma luta política que pode ser dura e suja. Que seja o último ano de Bolsonaro na combalida história política do Brasil.
Fonte: https://sergioabranches.com.br
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