Pedro Hallal
O melhor tenista da atualidade, um dos maiores de todos os tempos, é mais um que mancha sua biografia ao posicionar-se contra a ciência
A história é recheada de exemplos nos quais a incapacidade de diálogo, a intolerância e o ódio causaram guerras, conflitos e violência. A mesma história, felizmente, também é recheada de exemplos nos quais o diálogo, a tolerância e o amor evitaram guerras, conflitos e violência.
Desde a chegada do coronavírus, o mundo precisou se adaptar a maior pandemia de nossas gerações, ao mesmo tempo em que viu despertar uma sociedade dividida, intolerante, cheia de ódios e lacrações, e com pouca capacidade (e interesse) de buscar consensos mínimos.
Aqui há de se destacar que, desde o princípio da pandemia, todos os cientistas sérios possuem mais perguntas do que respostas, mais dúvidas do que certezas, e não têm vergonha de mudar de posição conforme evolui o conhecimento sobre a Covid-19. Não posso falar por todos os meus colegas, mas no meu caso, lembro de vários erros:
Nunca imaginei que a pandemia fosse durar tanto. Imaginei que a pandemia teria uma onda inicial, seguida por uma segunda onda no ano seguinte, mas nunca imaginei que ficaríamos mais de dois anos em situação de pandemia, praticamente sem descanso.
Por mais que todos admitíssemos a possibilidade de surgimento de variantes, e tenhamos falado exaustivamente que a ampla circulação do vírus aumentava essa chance, a verdade é que eu nunca imaginei que preencheríamos boa parte do alfabeto grego com tantas variantes.
Enfim, essa introdução destaca um elemento básico, mas fundamental do método científico: as perguntas são tão relevantes quanto às respostas para a ciência. É mais do que normal um cientista analisar os dados da variante ômicron e prever que ela pode sinalizar o começo do fim da pandemia, e outro analisar os mesmos dados e prever que a variante ômicron será tão ou mais devastadora do que as variantes anteriores.
O que não é normal é fraudar a ciência, disseminar notícias falsas, perseguir pesquisadores e ignorar a realidade. Ao longo dessa pandemia, infelizmente, vimos isso tantas vezes, que parece normal quando alguém posta numa rede social que remédio para piolho cura Covid-19, que vacina mata mais do que salva vidas, ou que a terra é plana.
Infelizmente, essa realidade paralela, alimentada por bolhas de ódio e notícias falsas, atinge também alguns daqueles que deveriam servir de exemplo. Aqui no Brasil, um presidente eleito com 57 milhões de votos escolheu o lado do vírus, das notícias falsas, do negacionismo, ao invés de proteger os mais de 210 milhões de habitantes do país que ele deveria governar.
Fora da política, também temos exemplos de ídolos que mancham sua biografia ao defender o indefensável e promover o ódio, o negacionismo e a intolerância. O tenista sérvio Novak Djokovic (agora apelidado de NoVAX Djocovid) é um deles.
Nos primeiros meses da pandemia, ele organizou um torneio clandestino que causou a infecção de vários dos participantes. Não contente, agora ele protagonizou um patético caso jurídico ao não aceitar as regras sanitárias australianas. Acabou barrado e mandado de volta para casa.
A Austrália, desde o início da pandemia, acumula menos de 100 mortes para cada 1 milhão de pessoas. Para se ter uma ideia, o Brasil acumula 2.900 mortes para cada 1 milhão de pessoas. Quando eu vejo nas redes sociais políticos brasileiros tentando ensinar o governo australiano a controlar a pandemia, confesso que dá vontade de rir (ou de chorar). A Austrália é exemplo para o mundo todo no controle da pandemia.
Embora o Djokovic seja o melhor tenista da atualidade e um dos maiores de todos os tempos, o único derrotada nesse caso é ele próprio.
O Aberto da Austrália de tênis acontecerá do mesmo jeito, e o espanhol Rafael Nadal terá a chance de ultrapassar Roger Federer e Novak Djokovic como o maior vencedor da história. Isso porque o melhor tenista da atualidade resolveu ignorar à ciência e promover o negacionismo, o ódio e a intolerância.
Como fã de tênis, espero que o sérvio tenha a humildade de pedir desculpas aos fãs, se vacine com urgência, e pare de passar vergonha.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário