Pedro Hallal
Jogue a primeira pedra a mãe ou o pai ou mãe que, viajando de carro com os filhos, nunca ouviu essa pergunta
Passei toda a minha infância em Pelotas, no Rio Grande do Sul, cidade onde moro até hoje. No entanto, bastava chegarem as férias de verão que começavam os planejamentos para a tão desejada viagem para Itapema, em Santa Catarina.
Religiosamente uma vez por ano, quase sempre em fevereiro, lá estava a minha família, enfrentando, de carro, a longa viagem (a BR-101 não era duplicada na época) que separa Pelotas de Itapema.
Sou o irmão no meio de duas irmãs, uma mais velha e outra mais moça. Todos somos ansiosos, mas eu sempre fui o mais ansioso dos três. Portanto, antes mesmo de chegar a Porto Alegre, eu já disparava para o meu pai e minha mãe: "Falta muito?"
Meu pai e minha mãe normalmente respondiam com paciência, dizendo que já tínhamos andado bastante, mas que ainda faltava um bocado. De vez em quando, lá pela divisa entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, uma das minhas irmãs fazia a mesma pergunta. E recebia a mesma resposta.
Mas quando chegávamos no inevitável engarrafamento perto de Laguna, os três irmãos sempre repetiam a pergunta. E o pai e a mãe agora respondiam: "Estamos quase chegando."
Jogue a primeira pedra a mãe ou o pai ou mãe que, viajando de carro com os filhos, nunca ouviu essa pergunta.
Desde as primeiras semanas da pandemia, ouço essa pergunta com muita regularidade. Mas normalmente ela não vem apenas das crianças, mas especialmente dos adultos e dos idosos. É natural: todos estamos ansiosos para que a pandemia vá embora de uma vez por todas das nossas vidas.
Alguns "especialistas", lá no começo da pandemia, diziam que a pandemia acabaria em poucas semanas. Aliás, os mesmos "especialistas" diziam que, no total, o Brasil teria umas 800 mortes por Covid-19. E o mais impressionante é que os tais "especialistas" nunca vieram a público admitir o erro. Ao contrário, sempre que entrevistados, eles repetem a mesma resposta: "Faltam poucas semanas para a pandemia acabar."
Um tempo atrás, escrevi uma coluna prevendo que o final da pandemia no Brasil seria próximo da virada do ano. Na época, o texto causou muitas reações. A maioria das pessoas bastante felizes de ouvirem uma palavra esperançosa vinda de um epidemiologista. No entanto, outras pessoas, inclusive colegas, acharam que a previsão era demasiadamente otimista.
Em seguida, veio a chegada da variante delta no Brasil, e começou um cabo de guerra entre a variante e a campanha de vacinação. Alguns especialistas, com base na realidade internacional, previram que a delta iria bombar no Brasil, o que infelizmente não ocorreu. Hoje, já dá para dizer que a vacinação conseguiu, pelo menos, segurar a variante no cabo de guerra.
O gráfico que acompanha esse texto mostra a média móvel de óbitos (por 1 milhão de pessoas) por Covid-19 no Brasil desde o início da pandemia. Não há como olhar para esse gráfico sem algum otimismo. A queda vem sendo sustentada por várias semanas, mesmo com a ampla circulação da variante delta no país. Com isso, é hora de revisitar a pergunta: "Falta muito?"
Minha visão é de que o pior já passou. Com mais de 70% da população vacinada com pelo menos uma dose, não consigo imaginar um cenário em que voltaremos aos números assustadores (2.000 mortes por dia) observados no começo de 2021.
Ao contrário, é bastante provável que os números jamais aumentem nem sequer para perto de 1.000 mortes por dia, o que foi observado por um longo tempo no segundo semestre de 2020. O mais provável é que sequer voltemos a uma média de 500 mortes por dia daqui para a frente.
Nenhuma previsão é 100% garantida, mas 2022 tem tudo para ser muito melhor do que 2021, tanto na pandemia quanto na política. "Falta muito?"
Fonte: Folha de S. Paulo
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