Hélio Schwartsman
CFM sempre foi um órgão mais político do que técnico
"O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas [...], resolve: Art. 1º - Proibir aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica. [...]".
Sim, o CFM de fato escreveu isso, mas no longínquo ano de 1998. É a resolução 1.499/98. Até onde sei, ela continua em vigor. E, até onde vão minhas capacidades interpretativas, poderia ser usada para enquadrar médicos que prescrevem cloroquina e outros medicamentos do chamado kit Covid. Mas é relativamente fácil escapar da armadilha. Como não existe quem fale oficialmente pela comunidade científica, os conselheiros podem seguir fingindo que a ciência ainda não descartou essas drogas para tratamento da Covid.
O fato, porém, é que elas foram extensivamente testadas e descartadas. Como mostrou a Folha, o CFM está quase sozinho na chancela a esses fármacos. É acompanhado por seu congênere venezuelano e de outras poucas nações. Conselhos como os do Peru e da Bolívia, que inicialmente autorizaram o uso, recuaram diante das evidências.
Por que o CFM age assim? O conselho sempre foi um órgão mais político do que técnico. Tem mais a ver com um sindicato do que com uma consultoria científica. Basta lembrar que reconhece a homeopatia como especialidade. Mas, nos últimos anos, acrescentou à política sindical a partidária, tornando-se linha auxiliar do bolsonarismo. Minha impressão é que esse movimento faz parte de uma reação corporativista ao programa Mais Médicos, do governo de Dilma. A categoria tomou a importação de médicos cubanos como um insulto pessoal.
E a autonomia do médico? Acho que ninguém é contra a autonomia médica, mas ela existe para experimentar drogas e terapias que possam funcionar, não para atochar no paciente aquilo que já se sabe que não funciona. Ou a autonomia permite a um médico saudosista voltar com as sangrias e tratamentos à base de mercúrio?
Fonte: Folha de S. Paulo
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