sexta-feira, 29 de outubro de 2021

PARA ARAS LER NA CAMA

PARA ARAS LER NA CAMA
Ruy Castro

Teme-se que a leitura do relatório da CPI o faça dormir. Mas, desta vez, Aras pode perder o sono

Sim, nós sabemos que Augusto Aras, procurador-geral da República, passa o dia ocupado ignorando ou indeferindo pedidos de investigação dos crimes do governo, inclusive os praticados por apoiadores como políticos, médicos e advogados de aluguel, pistoleiros condecorados e incansáveis newsfakers ou, em faria-limês, influencers. Donde será demais exigir que se debruce durante o expediente sobre as 1.287 páginas do relatório do CPI da Covid, que pede o indiciamento de seu chefe Jair Bolsonaro por mais crimes que uma única vida seria capaz de pagar.

Mas nada impede que Aras, dedicado cumpridor das funções que lhe garantem o salário, leve a papelada para ler na cama. Muita gente lê antes de dormir, e Aras poderá pedir a um membro de sua equipe para organizar o material em blocos que lhe facilitem a leitura. Uma ideia seria separá-lo por tópicos, cada qual tratando de um dos nove crimes atribuídos a Bolsonaro: contra a saúde pública, incitação à morte, prevaricação, charlatanismo etc.

Depois de vestir o pijama de alamares e tomar sua gemada noturna, Aras afofará os travesseiros e, certificando-se de que está com os óculos na ponta do nariz, mergulhará na documentação. Muito do que lerá certamente lhe será novidade —as aglomerações que Bolsonaro provocou para induzir ao contágio do vírus, a pregação contra o distanciamento, a aversão à mascara e a compra maciça de cloroquina em vez de vacina, ajudando a matar, até agora, 606 mil brasileiros.

De nada disso Aras tomou conhecimento quando estava acontecendo. Até mesmo a fabulosa afirmação recente de Bolsonaro, de que a vacina provoca Aids, deverá surpreendê-lo. É normal —um procurador-geral não é obrigado a saber tudo o que acontece, bolas.

Teme-se que Aras durma no segundo parágrafo, vire para o canto e ronque. Eu não. Para mim, desta vez ele lerá algo que o fará perder o sono, e será bem feito.

Fonte: Folha de S. Paulo

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