Hélio Schwartsman
Há mais seres afetados pelo aquecimento global que brasileiros beneficiados pelo agronegócio
Espero que o Brasil apanhe bastante na COP26. Não acharei ruim nem se países europeus erguerem barreiras ambientais contra nossos produtos ou se decidirem boicotá-los.
Meu raciocínio é consequencialista. Como brasileiro, tenho interesse em que nossas empresas se saiam bem, o que em tese resulta em mais riqueza para distribuir à população. Mas eu também sou terráqueo e, nessa condição, tenho interesse em que lidemos da melhor forma possível com a emergência climática. O segundo objetivo, creio, prepondera sobre o primeiro. Há muito mais indivíduos (humanos e não humanos) afetados negativamente pelo aquecimento global do que brasileiros beneficiados pelo sucesso do agronegócio.
E o aumento das temperaturas médias no planeta, para o qual o Brasil concorre em boa medida por causa das queimadas e do desmatamento, é só parte do problema. O desflorestamento da Amazônia também afeta o regime de chuvas, em especial nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Menos área verde no Norte significa menos água para os reservatórios e plantações. Alguns cientistas creem que já estejamos perto do ponto em que a savanização da Amazônia se torna irreversível.
Temos, portanto, duas razões vitais para militar em favor da preservação ambiental contra uma, não tão forte, para nos opormos a uma campanha internacional para enquadrar o Brasil. Evidentemente, brios nacionalistas não contam muito no consequencialismo.
E a pressão sobre o país pode trazer resultados? Bolsonaro, é claro, não vai se comover. Ao contrário, como ele é turrão, é possível que vejamos aumentar seu ímpeto antiambientalista. Mas o presidente, dadas suas incompetências, se tornou refém do centrão, o qual é sensível aos interesses do agronegócio.
Se os empresários do setor perceberem que vão perder dinheiro pelo fato de o país não ter uma política ambiental decente, há chance de que ela surja. Por isso, pau no Brasil.
Fonte: Folha de S. Paulo
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