Ruy Castro
Luciano Hang fez de seu interrogatório na CPI um show de som e fúria significando nada
Um político é um político, mas, às vezes, tem de ser também um ator. As duas profissões exigem ênfase, eloquência e expressão, o que inclui gesticulação, postura, extensão de voz. Mas cada qual tem o seu palco, e o dos atores é a ribalta; o dos políticos, a tribuna. O problema é quando os palcos e papéis se confundem: a tribuna, onde os políticos deveriam exercer o recato e a razão, transforma-se no palanque de que eles são originários. E, no palanque, vale tudo —arroubos, destemperos, estrebuchos. Como ator, todo político é um canastrão.
Uma comissão parlamentar de inquérito deveria combinar a sobriedade de um debate no Parlamento não com um histrionismo de caçamba de caminhão, mas com a objetividade de uma entrevista jornalística. Afinal, seus membros estão ali para inquirir pessoas sobre assuntos cuja elucidação é importante, ou a dita comissão não teria sido instituída. É natural que essas pessoas sejam recalcitrantes e se esquivem das respostas —mais um motivo para que se façam perguntas eficientes.
Meses depois de criada, a CPI da Covid chegou a grandes resultados. Começou pelo negacionismo presidencial assassino e desencavou uma teia de negócios imorais com a vida dos brasileiros. Fico me perguntando o que mais teria saído, sem falar que já estaria concluída, se os senadores soubessem fazer perguntas —e ouvir respostas.
Nunca aprenderam. Com exceções, por trás da maioria deles, de ambos os lados, estava o político-ator, apaixonado pela própria voz. Faltou-lhes um diretor de cena para impedir que perguntas de 30 segundos virassem comícios, que respostas importantes fossem interrompidas e que muitos interrogados zombassem dos interrogadores.
Luciano Hang, com seu hilário terno verde, nem precisou levantar a voz. Fez de seu interrogatório na CPI uma assembleia de araras, uma cacofonia de matracas, uma babel de som e fúria significando nada.
Fonte:Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário