Hélio Schwartsman
Proteína utilizada na Mosquirix foi descoberta e caracterizada por meus tios
Peço de antemão desculpas pelo caráter nepotista da coluna de hoje, mas creio que ele se justifica. A notícia que comento é a aprovação, pela OMS, da primeira vacina contra a malária, a Mosquirix, da GSK. O imunizante tem limitações. Sua eficácia é de apenas 30% a 50% e exige reforços periódicos. Ainda assim, diante do fardo global que a malária representa, matando 580 mil pessoas por ano, ele poderá salvar inúmeras vidas.
O ato de nepotismo decorre do fato de que a proteína utilizada na vacina, a CSP, foi descoberta e caracterizada por Ruth e Victor Nussenzweig, meus tios. Ruth, que deu início a tudo com um artigo seminal publicado na Nature em 1967, morreu em 2018. Victor vive para ver os frutos de seu trabalho. Ele está com 92 anos e mora em Nova York.
Conto a história do casal porque penso que o reconhecimento é devido e porque ela serve de alerta em relação aos talentos que o Brasil perde para outros países. Ruth e Victor tiveram de deixar o Brasil nos anos 60 porque eram de esquerda e a ditadura militar lhes fechara as portas na academia. Mais espertos, os americanos, embora também não morressem de amores por esquerdistas, os receberam bem.
Quase 60 anos depois, o Brasil volta a ser comandado por um entusiasta da ignorância. Bolsonaro é decerto uma ameaça à ciência, mas não a maior. Ele se mostrou tão incompetente que sua reeleição hoje parece difícil. Mas, para que o Brasil mantenha seus cientistas por aqui, não basta exorcizar os demônios; é preciso também assegurar as condições para que pesquisadores possam desenvolver seu trabalho localmente.
Estamos falando principalmente de verbas, que não precisam ser astronômicas, mas têm de ser ininterruptas e não podem atrasar --o que exige contas públicas em ordem. Sem isso, o melhor conselho que podemos dar aos jovens cientistas das áreas de ponta é "não desperdicem seu talento, mesmo que tenham de sair do Brasil".
Fonte: Folha de S. Paulo
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