Ruy Castro
Destruir ou incendiar guitarras, surrar amplificadores e estripar caixas de som é coisa antiga
Don Everly, um dos Everly Brothers, duo vocal americano do tempo da brilhantina, morreu há pouco (21/8). Seu irmão Phil já tinha se mandado em 2014. Em seu apogeu, 1957-62, eles faziam um rock família, vide um opus intitulado “Wake Up Little Susie”, e partiam corações com seus topetes piramidais. Mas esses topetes saíram de moda com o surgimento do grupo que, ironicamente, mais os admirava: os Beatles. Seguiram-se Ritalina, heroína, tequila, ódio recíproco e, pior, o estigma de “ícones de uma época”.
Em 1973, num show em Buena Park, Califórnia, Phil Everly destruiu sua guitarra no palco, saiu ventando e deixou Don cantando sozinho. Era o fim da dupla, mas seu tresloucado gesto não entrou para a história. A destruição em massa de guitarras em shows já vinha sendo praticada desde que os roqueiros usavam aqueles terninhos sem lapelas.
O pioneiro foi Pete Townsend, do The Who, em 1964, e levantou de tal modo a plateia que ele passou a demolir guitarras regularmente. Jimi Hendrix foi mais longe: em março de 1967, em Londres, botou fogo na sua e, em junho, consagrou-se ao repetir a proeza no Monterey Pop Festival. Em outubro, em São Paulo, foi a vez do nosso Sergio Ricardo, no selvagem 3º Festival da Record. Mas com motivo justo: ao ser impedido de cantar pela vaia do público, espatifou seu violão num console e atirou-o no auditório. E, nos anos 90, Kurt Cobain especializou-se em, show após show, usar suas guitarras para surrar amplificadores e estripar caixas de som.
Fico imaginando tais performances pelos grandes nomes do jazz: Gerry Mulligan dando com seu sax-barítono na cabeça de Chet Baker para despertá-lo do torpor; Charles Mingus investindo de facão contra seu contrabaixo; Max Roach explodindo sua bateria; Thelonious Monk atirando seu piano na plateia; e Miles Davis fazendo xixi dentro de seu trompete.
Faltou isso ao jazz para ser considerado a música do século.
Fonte: Folha de S. Paulo
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