José Horta Manzano
É perceptível a desconfiança que todas as falas de Jair Bolsonaro suscitam. Nós, os que já nos demos conta de que o capitão profere uma bobagem atrás da outra, tendemos a jogar no lixo tudo o que ele disse, está dizendo ou vier a dizer. Nem adianta conferir, que nada presta.
No entanto, talvez não seja essa a melhor atitude. Por mais que um indivíduo tenha ideias embaçadas, sempre pode brotar, de quando em quando, uma proposição mais consistente. Antes de descartar, convém verificar.
Está na ordem do dia a discussão sobre o “voto auditável”, também conhecido como “voto impresso”. Num primeiro momento, cheguei a acreditar que a ideia, mal explicada, fosse de abandonar a urna eletrônica e ressuscitar a velha cédula de papel. Tendo em vista a quantidade de gente fina reclamando que isso seria um retrocesso, vejo que muitos pensaram como eu.
Com o passar das semanas, creio ter entendido a proposta do capitão. O que ele quer é que uma impressora seja acoplada a cada urna eletrônica. Assim que o eleitor apertar o código de seu candidato e mandar um “confirma”, o sistema faz duas coisas: registra eletronicamente o voto e imprime o nome do candidato escolhido. Nessas alturas, o eleitor tem o direito de conferir o papelzinho – só conferir, sem poder tocar o papelito.
Se estiver de acordo, dá sua autorização para a finalização do voto. Se não estiver, aí já não sei o que a lei vai prever. Talvez o cidadão tenha de pôr a mão na cabeça e começar a gritar. Será um problemão porque, sendo o voto secreto, ninguém mais, a não ser o votante, tem direito a entrar na cabine. Enfim, os parlamentares, que são inteligentes, hão de encontrar uma saída. Quando a gente quer, sempre dá um jeito, não é?
Tirando a complicação que eventual enguiço da maquineta possa causar, o sistema não é de todo ruim. À primeira vista, a gente até que poderia se espantar: “Ora, por que é que quase todos estão descartando a novidade? Só porque a ideia vem do capitão?”
Bom, isso é à primeira vista. Após reflexão, vem a segunda vista. E aí as coisas começam a clarear. Já deve fazer algum tempo que Bolsonaro se deu conta de que terá dificuldades nas eleições de 2022. A reeleição, tão almejada, está longe de ser garantida. Com sorte (e muito marketing), ele chegará ao segundo turno. É aí que a porca vai torcer o rabinho.
Seja qual for o adversário, Lula ou um outro, o páreo vai ser dureza. As chances do capitão são magrinhas. Suponhamos que, anunciados os resultados, ele seja declarado perdedor. (Ele já há de ter feito essa suposição.) Como é que fica? Chama o “seu” exército e bota os tanques nas ruas? Convoca os baixas- patentes das PMs para prender governadores e tomar de assalto as metrópoles? Manda um bolsonarinho com um cabo e dois soldados fechar o Supremo? Por menos esclarecido que seja, nosso presidente já deve ter entendido que o caminho não pode ser esse.
Talvez ele tenha se inspirado na novela que foi a apuração das presidenciais americanas de 2000, quando George Bush Jr ganhou no tapetão, por decisão da Suprema Corte, depois de um mês de batalha jurídico-eleitoral. Com nossa urna eletrônica tradicional, é impossível seguir os passos de Bush. Já com cem milhões de papelitos, a coisa fica viável. Basta pedir a milhares de cupinchas que entrem com questionamento junto a todos os tribunais eleitorais do país, estado por estado. Imaginem o estrago que isso provocaria. Juntas de apuração teriam de se reunir às pressas, como nos anos 1950, com todos os riscos que o manuseio das (mini)cédulas comporta. Aí, sim, estará aberto o caminho para fraudes, falcatruas e votos-fantasma, exatamente como nos velhos tempos.
Eis por que o “voto auditável” é, uma falsa boa ideia. Uma proposta que, apesar da aparência inocente, abriria as portas para gente mal intencionada tumultuar o processo. Os tempos atuais já estão suficientemente conturbados por si só. Além disso, nosso sistema de votação já deu provas suficientes de funcionar bem. Não vale a pena introduzir uma novidade que, além de não ajudar, pode complicar o processo. Que Bolsonaro procure ganhar a eleição baseado nos próprios méritos e não amparado por parceiros interessados e interesseiros.
Fonte: brasildelonge.com
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