DIZER O QUE NÃO É DITO
Karine Borges de Liz
05/06/2021
Uma brisa leve de outono levou ao chão a primeira flor do ano da orquídea.
Pálida do sol, tem a beleza das fotos antigas. Daquelas que olhamos e nos perguntamos intimamente que histórias estariam por de trás dos retratos.
Coloquei-a no vaso, em respeito a tanta beleza e perfume que trouxe ao Pequeno Jardim.
Respeito é presente que se dá quando honramos algo de bom ou belo. É uma boniteza que a alma nos recomenda. Se vem do medo ou pelo medo, aí já não é mais respeito, é abuso, quando não tirania.
Suas pétalas exibem corajosos veios, feito rugas que enfrentaram o sol e a chuva, e ainda conversaram com o vento de tantos humores. Rugas testemunhas de amanheceres, de cantos de passarinhos, de choros de bebês de madrugada, de solidões de luzes acesas a varar a noite.
Desde muito criança percebi que as rugas humanas contavam histórias. Na verdade, contavam muito sobre as pessoas. Conforme o traço ou a intensidade, lá vinham elas a dizer o que não era dito.
Lembro-me das rugas das pessoas cuidadosas e cuidadoras por natureza: muito finas e tênues ao redor dos olhos. A alegria do sofrimento superado fazia-as ultrapassar as dores que viam e tratavam. As rugas dos preocupados e severos, quase sempre na testa e entre as sobrancelhas. As rugas das pessoas que carregavam grandes tristezas, sempre com sulcos profundos. As rugas dos invejosos e dissimulados, via de regra, agudas feito punhal e ladeadas de um sorriso sem sentido. As rugas de bondade, quase sempre no meio da face, próximas aos lábios, sempre de mãos dadas a gestos de carinho anônimo.
Os tratamentos estéticos da atualidade tornaram interessante a leitura dos rostos. Eles continuam a dizer o que não é comumente dito, mas agora de uma forma mais sutil e por vezes mais reveladora ainda. Mas essa é prosa pra outro dia.
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