AMORES BRUTOS
Paulo Pestana
Começo de namoro não é fácil para ninguém. Nem para passarinho, que tem que rebolar na dança do acasalamento, nem para cachorro, que fica naquela cheiração sem fim antes de consumar o fato. E muito menos para nós, seres humanos, obrigados a uma série de solenidades desde que descemos das árvores e deixamos de puxar as mulheres pelos cabelos.
Alguns trogloditas ainda andam entre nós, fazendo esforço para se equilibrar em apenas duas patas, mas esses nem sabem o que é namoro; confundem com ignorância e só a polícia dá jeito. Namoro é outra coisa.
E o nosso amigo sabe disso. Sensível como todo artista, estava abrindo as asas para iniciar o bailado do acasalamento com a recém conhecida e encantadora moça – mas já pensando na parte do cachorro; afinal é um homem, predador.
Mas agiu devagar, como faziam os cavalheiros de antigamente quando tiravam as armaduras, mas também porque durante a pandemia é bom esperar pelo menos 14 dias antes de tentar avançar o sinal. Se a moça não espirrar, pode-se ir em frente. Enquanto isso, nosso amigo fez o cerca-Lourenço com aquela conversinha tranquila, macia, hipnótica.
O Lourenço em questão foi um personagem famoso do Rio antigo, sócio de uma fábrica de sabão que não dava muito certo e que se tornou um centro de jogatina e malandragem. A polícia nunca conseguiu pegá-lo em flagrante graças a uma estratégica saída escondida que dava num açougue, enquanto os policiais gritavam: cerca o Lourenço.
Não se sabe se a polícia recolheu o Lourenço aos costumes, mas a expressão ficou, embora com o significado ligeiramente diferente: quem cerca-Lourenço, não foge, mas dá voltas sem chegar ao objetivo. E o objetivo do nosso amigo era não deixar a presa escapar.
Levava para o parque, para tomar um café, um almoço; ia afiando o discurso, colocando palavras mais insinuantes, situações mais picantes, esperando o tempo passar para ver se a moça tossia. Enquanto isso, trocavam detalhes da vida.
Ele contou do apartamento com suas obras espalhadas pelos cantos, dos desejos e conquistas, com aquela fala mansa dos vitoriosos; e soube que ela morava num pequeníssimo flat, na companhia de um cachorro. A moça não tossiu, nem espirrou; a barra estava limpa e um dia o convidou para conhecer o apartamento.
Já estava mais do que na hora. A pandemia tem atrasado tudo na vida da gente, mas os dias continuam correndo do mesmo jeito, e ele não via a hora de conhecer a moça, biblicamente falando. Tomou banho, se vestiu com algum esmero e engatou a primeira.
Foi recebido na porta do flat pelo cachorro. Mas não esperava que fosse um pitbull. “Quem cria um cachorro deste tamanho num flatizinho desses?”, pensou. “Ele é um amor”, disse ela. Podia até ser, mas o bicho tinha atitude de pai de donzela; não tirava os olhos do casal e na primeira investida, rosnou. Na segunda, latiu. Nosso amigo parou por aí. Preferiu não arriscar uma terceira arremetida e voltou para casa; frustrado, teso, mas incólume.
Fonte: Correio Braziliense
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