quarta-feira, 9 de junho de 2021

A CPI DA PANDEMIA

A CPI DA PANDEMIA
Pedro Hallal

Pela primeira vez, o debate sobre ciência e tecnologia surge como pauta central

As Comissões Parlamentares de Inquérito, popularmente conhecidas por seu apelido CPI, já mexeram com o Brasil. Em 1992, uma CPI culminou na renúncia do presidente Fernando Collor. Em 1993, a CPI dos anões do orçamento levou à cassação de seis parlamentares. Em 2005, a CPI dos Correios acabou revelando ao Brasil o esquema do mensalão.

Não há dúvidas, portanto, da importância das CPIs, especialmente no período pós ditadura militar. No entanto, a CPI da pandemia traz, pela primeira vez, o debate sobre ciência e tecnologia como pauta central. Já era hora de esse assunto ser discutido em rede nacional.

O sistema brasileiro de ciência e tecnologia pede socorro. Há anos (e não somente no governo atual), a ciência brasileira sofre com corte de verbas. Os orçamentos do CNPq e da Capes, as principais agências de fomento do país, vêm sendo reduzidos anualmente, levando inclusive ao êxodo de pesquisadores para fora do Brasil. Para completar a tragédia, as universidades públicas, responsáveis por mais de 90% da produção científica nacional, vêm sendo subfinanciadas há ano.

Mais recentemente (aí sim, especificamente no governo atual), a ciência e as universidades vêm sendo atacadas também em sua essência. Manifestações públicas de que a terra é plana ou de que vacinas são feitas com fetos mortos parecem corriqueiras. Um (des)ministro da Educação dizia publicamente que as universidades eram o local da balbúrdia e as acusava (sem provas, é claro) de sediarem plantações de maconha.

Por tudo isso, ter a ciência como tema norteador de uma CPI é tão importante. Primeiro, a CPI já desmascarou a diferença entre cientistas e charlatões. Na ciência, as medidas de qualidade de cada pesquisador estão disponíveis em uma plataforma pública, o currículo Lattes, mantido pelo CNPq.

Os pesquisadores brasileiros são avaliados de várias formas: (a) os mais produtivos do Brasil recebem bolsas de produtividade em pesquisa; (b) eles também são avaliados pelo número de publicações, especialmente em periódicos de alto impacto científico; (c) outra medida importante é o número de citações, também mensurado pelo índice H, uma métrica que combina citações com quantidade de publicações; (d) em geral, os pesquisadores estão vinculados a programas de pós-graduação, onde formam novos pesquisadores.

Os pesquisadores apenas recentemente começaram a ser ouvidos na CPI, mas algumas suspeitas já estão confirmadas:

1. Existe um Ministério da Saúde paralelo, com linha direta com o presidente da República.

2. A política de saúde adotada pelo governo federal para lidar com a pandemia foi a da imunidade de rebanho.


4. Houve utilização de dinheiro público para produção de um medicamento sem eficácia, impedindo o investimento no que realmente funciona para controlar a pandemia.

5. Houve negligência do governo federal em relação ao colapso sanitário ocorrido em Manaus.

Mesmo com tantas respostas, ainda há muitas perguntas a serem feitas. Cito aquelas que mais diretamente envolvem este colunista:

1. Por que o Ministério da Saúde censurou os dados do Epicovid19 que demonstravam que as pessoas indígenas possuíam cinco vezes maior risco de contaminação por Covid-19 em comparação às pessoas brancas? Quem ordenou a censura?

2. Por que o financiamento do Epicovid19 foi cortado sem justificativa técnica, e nove meses depois, o ministério apresentou a proposta de um estudo similar com custo 16 vezes maior?

3. Quantas mortes a postura anticiência do governo federal causou, sem comparação com a média mundial e com os países mais exitosos no enfrentamento do coronavírus?

4. Quantas mortes foram causadas pela negativa do governo federal em adquirir, de forma ágil, as vacinas que nos foram oferecidas?

Pesquisador é assim mesmo... as perguntas são tão importantes quanto as respostas.

Fonte: Folha de S. Paulo

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