Hélio Schwartsman
Ele é tão leal a Bolsonaro que não hesita em passar por covarde para protegê-lo
O general Pazuello fugiu do depoimento que daria à CPI da Covid. Isso é fato. Resta determinar se o fez por covardia ou bravura. É claro que estou sendo irônico, mas menos do que o leitor imagina. A relação entre covardia e bravura é irredutivelmente paradoxal.
O guerreiro que nada teme não faz nada de extraordinário quando enfrenta a morte no campo de batalha. Para que sua atitude tenha algo de heroico, é preciso que ele tenha medo, se não de perder a vida, dos chamados destinos piores que a morte, como viver em desonra ou ver seus familiares e compatriotas reduzidos à escravidão. E basta admitir que o medo é indissociável da bravura para gerar situações contraditórias.
Gosto de uma observação do marechal Georgi Jukov: "No Exército Vermelho, é preciso ser muito valente para ser covarde". É que os soviéticos punham em campo as temíveis companhias penais, que fuzilavam imediatamente qualquer soldado que parecesse recuar. Estima-se que centenas de milhares tenham sido mortos por esses pelotões.
Num exemplo mais literário e mais doméstico, Gonçalves Dias cria um I-Juca Pirama tão valente que não teme passar por covarde para cumprir suas obrigações filiais, sendo rejeitado até mesmo pelo pai pelo qual sacrificara a honra aparente.
Em qual contexto a fuga de Pazuello da CPI poderia ser interpretada como um ato de bravura? Lealdade. O general é tão leal ao comandante em chefe que não hesita em passar por covarde para protegê-lo. O fato de Pazuello ser um militar, carreira em que a covardia é o pior anátema que pode ser pespegado a alguém, torna seu sacrifício ainda mais trágico.
Só o que impede o general de ter seu destino imortalizado em versos são as motivações do chefe. Elas são tão mesquinhas que apequenam qualquer heroísmo. Se Pazuello não é covarde por ter fugido da CPI, o é por não ter denunciado os crimes de Bolsonaro.
Fonte: Folha de S. Paulo
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