Ronaldo Lemos
Brasil deveria estar discutindo é em quem votar, e não sobre como votar
Na semana passada, políticos mal-intencionados circularam no WhatsApp um vídeo falando sobre a questão da segurança das urnas eletrônicas.
O protagonista desse vídeo sou eu e, obviamente, não autorizei seu uso. Ele foi gravado em 2017 no programa Estudio i, da GloboNews. Na versão que circula na rede, o vídeo é editado e tirado de contexto para fazer acreditar que as urnas brasileiras não são seguras. Essa tentativa de propaganda com a minha fala é enganosa e absurda.
No vídeo original, falo de como uma conferência de segurança da informação nos EUA —a Defcon— fez um teste de segurança com alguns modelos de urnas eletrônicas e todas tiveram sua segurança quebrada. Na versão circulada no WhatsApp, cortaram o trecho em que falo claramente: “A gente tem que lidar com calma, as pessoas podem achar que tem a ver com o Brasil”.
Nenhuma das urnas que foram testadas é a utilizada no Brasil. O objetivo da minha fala era alertar para a questão central da cibersegurança em qualquer dispositivo digital, ainda mais nas urnas. Esse alerta foi ouvido e implementado.
Desde 2017 o Tribunal Superior Eleitoral continua a avançar enormemente nos testes de segurança das urnas eletrônicas, permitindo que elas sejam auditadas publicamente, inclusive por hackers e especialistas independentes de cibersegurança. O fato é que em mais 25 anos de uso nunca houve indício ou comprovação de fraude na urna brasileira.
Além disso, fraudar uma eleição presidencial por meio de ataques às urnas eletrônicas é tarefa na prática impossível. Seria necessário atacar fisicamente, uma a uma, centenas de milhares de urnas. Cada um desses ataques precisaria ser bem-sucedido. O esforço necessário teria de ser oculto e demandaria uma logística maior do que a própria realização das eleições nacionais.
Então, só para deixar claro: a chance de alterar o resultado das eleições presidenciais atacando as urnas eletrônicas é zero. Essa chance é menor do que se a votação fosse feita em papel, que demanda mais fiscais de mesa e de contagem.
Com isso, fica a constatação de que a circulação do meu vídeo na internet não tem o mesmo objetivo que o meu, de promover a cibersegurança das urnas. O objetivo é outro: disseminar medo, desinformação e confusão na sociedade brasileira.
As urnas eletrônicas, como todo dispositivo digital, demandam ações permanentes. O TSE tem zelado por essa responsabilidade usando padrões adequados. Mais do que isso, essas peças de propaganda sensacionalistas sobre as urnas têm o objetivo de gerar distração. O que o Brasil deveria estar discutindo sobre 2022 é em quem votar, e não sobre como votar.
Em vez de propor a volta do papel, o que o país deveria discutir é a criação de uma identidade digital única para cada cidadão e cidadã do país.
Essa identidade digital (que eu defendo que seja autossoberana e proteja totalmente a privacidade) poderá no futuro permitir que a votação seja feita não só pela urna mas também pelo celular. Países como Alemanha, Canadá, França, Suíça e Suécia têm feito testes sobre isso. A Estônia já implementou. Isso não só aperfeiçoaria a democracia como acabaria com outra mazela do país, que é a burocracia.
O país não deveria estar falando sobre trazer de volta o papel, que representa o passado. Deveria estar falando sobre construir o futuro.
Fonte: Folha de S. Paulo
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