quinta-feira, 15 de abril de 2021

VALE GRAVAR O PRESIDENTE?

VALE GRAVAR O PRESIDENTE?
Hélio Schwartsman

Penso que Kajuru podia, sim, ter gravado Bolsonaro

"A que ponto chegamos no Brasil aqui. [Fui] Gravado". Foi assim que o presidente da República, Jair Bolsonaro, expressou contrariedade por ter um diálogo seu com o senador Jorge Kajuru divulgado para o público. A indignação se justifica?

Do ponto de vista legal, a questão é complexa. De modo geral, admite-se que uma pessoa grave conversação de que seja parte, especialmente se o objetivo for defender-se de alguma coisa. Mas vale lembrar que a lei só vai até certo ponto. Ela pode regular enquadramentos penais e a licitude de provas, mas não os efeitos políticos de uma gravação com conteúdos picantes.

Basta lembrar que tanto o diálogo entre Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva em que a então presidente dizia estar enviando o Bessias como as conversas entre o então juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato constituem provas ilícitas, mas isso não as impediu de desencadear terremotos políticos que também tiveram consequências jurídicas.

O melhor modo de analisar a questão, portanto, não é o legal, mas o ético. É correto gravar conversa própria sem avisar os outros participantes de que tudo está sendo registrado? Fazê-lo é por certo deselegante. Pode ser também uma violação ética, mas isso depende do contexto.

Se você grava sem avisar uma conversa íntima com seu melhor amigo e a divulga, fracassou nos deveres da amizade. Mas, se faz o registro de uma autoridade pública tentando extorqui-lo e a denuncia, cumpriu uma obrigação cívica. A ética tem menos a ver com o ato de gravar do que com as circunstâncias e personagens envolvidas.

Kajuru podia gravar Bolsonaro? Penso que sim, e não apenas porque a palavra do presidente não pode ser levada muito a sério —o que torna toda gravação um ato de defesa. Altos cargos públicos vêm com alguns ônus. Um deles é o de não dizer nada que cause uma crise política. Quem viola esse princípio o faz por conta e risco.

Fonte: Folha de S. Paulo

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