quarta-feira, 7 de abril de 2021

PERDOAI-OS, ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM

PERDOAI-OS, ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM
Hélio Schwartsman

Kassio e milhões agem como se a epidemia fosse uma fatalidade imposta por Deus

A liminar do ministro Kassio Nunes Marques, do STF, que liberava a presença do público em cerimônias religiosas é um contrassenso, sintomático de quem ainda não entendeu bem o que está acontecendo no país.

O raciocínio marquiano parte de um elemento de verdade. Os decretos anti-Covid-19 de governadores e prefeitos limitam a liberdade religiosa. Mas não só. Também limitam a liberdade de ir e vir, de reunir-se pacificamente etc. E é o que se espera que façam. Os decretos, afinal, estão baseados numa lei de emergência sanitária, que tem o propósito explícito de limitar temporariamente direitos para conter a epidemia.

Rezar é, de todas as atividades humanas, a mais facilmente adaptável para o “home office” —se Deus existe e é onipresente, como quer a tradição, ouve preces de qualquer lugar que sejam feitas. Diante de uma entidade assim tão poderosa, o papel que resta às igrejas é muito menos o de estabelecer a comunicação com o divino do que o de favorecer uma vida comunitária significativa para os fiéis.

Assim, os religiosos só teriam motivo para queixa se os templos estivessem recebendo das autoridades terrenas um tratamento menos favorável que o dispensado a outros negócios que promovem contatos sociais positivos, como clubes e grêmios recreativos. Não sendo esse o caso, a liminar só cria uma exceção injustificável para templos.

Nunes Marques, porém, não está sozinho. Ele e milhões de brasileiros continuam agindo como se a epidemia fosse uma fatalidade imposta por Deus e não a expressão matemática de interações sociais desprotegidas entre portadores do Sars-CoV-2 e suscetíveis. Como ainda permaneceremos meses sem vacinas nas quantidades necessárias, o único jeito de reduzir o contágio é reduzir essas interações.

Enquanto os brasileiros, em especial autoridades como Marques, não entenderem isso, continuaremos colecionando milhares de mortos por dia.

Fonte: Folha de S. Paulo

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