Ruy Castro
Se estiver sentindo o vírus perigosamente por perto, prepare-se para vir conhecer o Brasil real
Se o amigo vive no Brasil de Jair Bolsonaro, parabéns. Até há pouco, jovem, feliz, negacionista e com histórico de atleta, você era imune à Covid. Enquanto os velhos morriam, você assobiava no azul —distanciamento, higiene, restrições ao comércio, máscara e vacinas eram coisa de maricas e comunistas. Nas últimas semanas, no entanto, ao sentir o vírus perigosamente por perto e sabendo que amigos de seu porte físico e idade estavam intubados ou já no cemitério, é possível que você esteja pedindo ingresso no Brasil real —o nosso.
Não podemos bater-lhe a porta na cara, mas não espere muito de nossa parte. Somos 200 milhões à mercê da pandemia, dependendo apenas de nossos cuidados e do sacrifício dos profissionais da saúde —aqueles que nunca mereceram uma palavra de gratidão de Bolsonaro, muito menos uma visita de solidariedade a uma linha de frente. Mas fique certo de que esses profissionais o tratarão com a mesma heróica dedicação com que nos tratam —para eles, você será só mais um a ser salvo, não um farrista de aglomerações, festas clandestinas e carreatas.
Nós, brasileiros de segunda classe, estamos há um ano lendo e ouvindo entrevistas dos epidemiologistas e infectologistas. Mês a mês, eles avisaram sobre o que iria acontecer —e aconteceu. O combate a uma pandemia não pode caber a uma besta fardada como Eduardo Pazuello, cuja grande façanha militar foi obrigar um soldado a puxar uma carroça diante dos colegas num quartel em Brasília, em 2005. Talvez não seja também da sola de um cardiologista invertebrado como Marcelo Queiroga. Os especialistas continuam a avisar e a não serem levados em conta.
Neste Brasil à deriva, torça para não ser intubado. E, se for, que os hospitais tenham os remédios para ajudá-lo a engolir aquela tubulação.
Suas chances de sobreviver não serão muitas, mas, se sair dessa, aí, sim, bem-vindo ao Brasil real.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário