AULAS DE COMO ESCREVER
Ruy Castro
Alguns dos melhores textos de Geraldo Mayrink estão agora acessíveis num site
Um leitor ligou para a Redação da Playboy, identificou-se como coronel do Exército e protestou contra uma reportagem da revista sobre drogas. Sem razão, vira no texto um quê de favorável a elas. "É um crime defender o tóchico!", rugiu. O ano era 1981, ainda propício a ameaças de milicos, e o telefonema fora atendido pelo repórter Geraldo Mayrink. Geraldo tentou acalmá-lo: "Fique descansado, meu coronel. Aqui temos muito cuidado com matérias sobre tóchico, sécho e ideologias echóticas".
Era um privilégio trabalhar ao lado de Geraldo Mayrink e ouvi-lo dizer coisas assim. E melhor ainda vê-lo escrever com incrível velocidade os textos mais bem acabados da imprensa brasileira. Tive essa sorte durante dois anos em Playboy e, depois, fui seu colaborador na revista Goodyear, fora do comércio e tão sofisticada que seus leitores gostariam de nunca mais tomar um carro com pneus de outra marca.
Muito do material de Geraldo —perfis, entrevistas, reportagens—, produzido entre 1960 e 2009, quando ele morreu, era digno de Esquire ou The New Yorker, principais referências da nossa geração. A maioria dos veículos para os quais escreveu não existe mais, mas alguns dos melhores textos que ele publicou podem agora ser lidos num site criado por seu filho, o publicitário Gustavo Mayrink.
Basta escrever geraldomayrink.com.br para descobrir o que era voar Paris-Rio no Concorde, viver para receber um fundo de garantia e ficar íntimo de Jorge Amado, Rita Lee, Joãosinho Trinta. E há o genial "Paulo Perdigão, o bangue-bangue da alma", sobre o homem que corrigiu o erro histórico do jogo Uruguai 2 x 1 Brasil em 1950 e destrinchou a filosofia de Jean-Paul Sartre usando um varal de roupas em sua casa, tudo isso enquanto decidia os filmes que você iria ver na Globo naquele dia —e só nós, seus amigos, o conhecíamos.
Cada texto de Geraldo é uma aula grátis de como escrever.
Fonte: Folha de S. Paulo
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