ASSOBIO NA LEGALIDADE
Ruy Castro
O passarinho da gaiola numa árvore diante do seu prédio está sob a proteção do Ibama
Escrevi outro dia sobre um passarinho cujo fiu-firiu me entra pela janela toda manhã e, apesar do repertório relativamente limitado (pelo visto, só conhece aquela frase), me ajuda a saltar da cama e a encarar o dia. Além disso, causa-me inveja porque sabe fazer uma coisa que não sei, que é assobiar. Entre as várias disciplinas que nunca consegui dominar —sapatear, trocar pneu, plantar bananeira—, assobiar é a que mais lamento não ter aprendido.
Uma pessoa que sabe assobiar leva grande vantagem. Primeiro, é capaz de produzir música sem depender de vitrolas ou instrumentos. Segundo, assobiar é uma forma auto-suficiente de expressão --- permite à pessoa dialogar consigo mesma, dispensando interlocutores. Terceiro, enquanto se assobia não se consegue pensar, o que, em nosso tempo, pode ser um alívio, desde que não se passe o dia inteiro assobiando. Claro que, ao contrário dos pássaros, dificilmente um homem poderá assobiar pousado num fio elétrico sem levar choque.
Como contei na coluna, consegui identificar o passarinho. Consultei meu porteiro João e ele me informou que se tratava do curió de seu colega do prédio ao lado, cuja gaiola é pendurada todas as manhãs na árvore em frente. Foi o que motivou o protesto de alguns leitores: a manutenção de passarinhos em gaiolas.
Voltei a consultar João e ele me disse que sim, é uma preocupação justa, mas o Ibama é rigoroso quanto a isto. Não apenas exige que os proprietários de passarinhos em cativeiro sejam registrados no órgão, como cada passarinho precisa ser identificado pelo nome científico, nome comum e data do nascimento. E que esse documento tem de estar à disposição do fiscal que passar pela gaiola.
E, então, a surpresa. Orgulhoso, João mostrou-me seu registro e o de seus próprios passarinhos —Magnata, um trinca-ferro de nove anos, e Curinga, um papa-capim que fará 11 no dia 24.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário