José Horta Manzano
Meses atrás, sob instigação de nosso doutor presidente, o Ministério da Saúde havia encomendado caminhões de hidroxicloroquina e de azitromicina para entregar aos estados a título de «tratamento precoce» da covid-19.
Os governadores, mais chegados às orientações da ciência do que o presidente, recusaram-se a fornecer as drogas à população. A montanha de comprimidos encalhou nos armazéns federais. Para esvaziar os galpões, o governo federal planeja despachar os remédios para as farmácias populares, com a ordem de distribui-los gratuitamente a quem pedir.
Na França, logo que a epidemia estourou, um médico do Hospital Universitário de Marselha lançou a ideia de usar hidroxicloroquina combinada com azitromicina em pacientes com covid. Fez, por sua conta, um estudo com apenas uma vintena de (jovens) pacientes seus. Concluiu que o remédio era eficaz, visto que nenhum dos doentes desenvolveu um quadro grave. Vaidoso, convocou a imprensa e foi à televisão divulgar sua descoberta. Teve seu momento de glória e ficou conhecido no país.
As autoridades sanitárias se debruçaram sobre o caso. Depois de analisar os considerandos e os finalmentes, concluíram que a administração dessa combinação de remédios, além de não ter eficiência comprovada por teste de larga escala, é problemática. De fato, exige acompanhamento médico rigoroso e contínuo, pelo risco de importantes efeitos secundários. Desde então, ficou proibido administrar essa combinação de drogas como «preventivo» de covid ou mesmo como «tratamento precoce». Unicamente pacientes hospitalizados podem receber o tratamento.
A azitromicina é um antibiótico. Sabe-se que a ingestão indiscriminada de antibióticos favorece o aparecimento de resistência no organismo. No futuro, quando o paciente realmente precisar, esse medicamento poderá não fazer efeito.
Quanto à hidroxicloroquina, contraindicações e efeitos secundários são da pesada. Insuficiência cardíaca, arritmia ventricular, lesões da retina, hipoglicemia, convulsões, vertigens estão entre eles. Não são drogas a serem distribuídas a quem pedir, como se fossem balas de açúcar.
Ao administrar essas drogas ao paciente internado, a intenção é evitar que a doença evolua para um quadro grave. É importante repetir que a combinação de cloroquina e azitromicina não cura a covid-19. Até o momento, não foi descoberto nenhum remédio para curar essa doença.
Na minha opinião, a atitude de nosso governo federal é temerária. Em outras terras, antibióticos só são vendidos com apresentação de receita médica. A ideia do governo brasileiro de distribuir indiscriminadamente drogas que deveriam ser controladas é porta aberta para o surgimento de um problema nacional de saúde: uma legião de cidadãos resistentes a uma classe de antibióticos. Sabe-se que essa situação favorece o aparecimento de superbactérias que não cedem a nenhum tratamento. Uma calamidade.
Um último detalhe
Relatório da Anvisa informa que 72% dos ingredientes básicos que compõem os medicamentos vendidos no Brasil são produzidos na China (37%) e na Índia (35%). De genuinamente nacional mesmo, só a embalagem e a bula, se tanto. Alguém precisa contar a nosso doutor presidente que, com o «kit covid», a China ganha mais que ele.
Fonte: brasildelonge.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário