
A CARA ATRAVÉS DO PANO
Ruy Castro
Depois de meses de máscara contra a Covid, passei a desconfiar dos mascarados dos gibis
Nas poucas vezes em que fui à rua nos últimos meses, senti-me culpado por estar quebrando a quarentena. Embora todas as saídas tivessem motivo justo —médico, dentista, banco—, temi ser confundido com os que voltaram a flanar pela cidade como se a pandemia tivesse acabado. Minha esperança era que, de máscara, eu não fosse reconhecido e pudesse atravessar incógnito o Leblon. Mas bastou-me pôr o pé na calçada para descobrir que era impossível.

Cruzei com várias outras pessoas que me lançaram olhares de simpatia, como se me vissem através do pano, e que eu também podia facilmente reconhecer das andanças pelo bairro. Ou seja, a máscara protege, mas não disfarça.
Perguntei-me como o Zorro fazia para que, na acanhada Reina de Los Angeles, em 1810, ninguém soubesse que, sob o pano preto, ele era Diego de La Vega. Afinal, não seria aquela meia máscara que o impediria de ser identificado pelos olhos, voz ou jeito de andar. A do Lone Ranger, o Zorro americano, menos ainda e, se ele não a tirava nem para o Tonto, de que servia? O mesmo quanto ao Fantasma --ou ele temia ser traído pelos pigmeus do golfo de Bengala? Sem falar do Spirit. E quem o Batman, com ou sem o Robin, pensava enganar com aquele capuz que deixava de fora o nariz, boca e indisfarçável queixo do milionário Bruce Wayne?
Mas o que me intriga mesmo é como, com aqueles socos e trambolhões, suas máscaras não caíam e os denunciavam. A minha vive saindo do lugar.
Fonte: Folha de S. Paulo
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