segunda-feira, 30 de novembro de 2020

BOLSONARO E O PAU NO CHÃO

BOLSONARO E O PAU NO CHÃO
Carlos Brickmann (*)

No início do Governo, a fiscalização encontrou invasores derrubando árvores amazônicas. Usavam aquelas máquinas enormes, com correntes, que arrancam grandes árvores com raiz e tudo, para abrir uma clareira na mata, onde implantariam uma fazenda em terra pública e supostamente preservada. As árvores, ilegalmente abatidas, seriam ilegalmente vendidas.

Os fiscais agiram conforme as normas: puseram fogo nas máquinas, única maneira de desativá-las, já que seria impraticável tirá-las de lá. O presidente Bolsonaro entrou em erupção: na hora, suspendeu a política federal de destruição de máquinas usadas para botar abaixo as árvores.

Dado o sinal de vale-tudo, em pouco tempo começaram os incêndios na Amazônia – havia até um grupo de WhatsApp coordenando as queimadas. Na comoção dos incêndios, que desviou as atenções, os desmatadores foram derrubando árvores. O governo Bolsonaro não pode ver pau em pé; deixa que os grandes troncos beijem o chão, sejam vendidos e só então interfere, para botar a culpa nos países e empresas estrangeiras que compram ilegalmente a madeira ilegalmente abatida. Gringos espertos! São capazes de se entender com os espertos daqui!

Alguém acredita que um jacarandá de 25 metros de altura (um prédio de oito andares) com tronco de 80 cm de diâmetro sumiu sem que ninguém notasse sua viagem para o porto? Um ipê de 40 metros (12 andares de altura!) pode ter entrado escondido no navio ilegal, sem conivência de ninguém? A culpa é só dos gringos? E aqui trabalhamos para preservar a Floresta Amazônica?

FONTE: https://brasildelonge.com
Deus não existe e, se existe, não é muito confiável. (Woody Allen)

LUGARES

INTERLAKEN - SUÍÇA

NUNCA É SÓ UMA PIADINHA

NUNCA É "SÓ" UMA PIADINHA
Martha Medeiros

Eu devia ter 10 anos. Estava lendo um gibi quando deparei com o seguinte desenho numa tirinha: garota linda e loira, com uma camiseta de mangas curtas, chega perto do rapaz que ela é a fim, abraça a si mesma e diz: “que frio!”. Ele então se aproxima dela e a envolve nos braços para esquentá-la – oba, começou o namoro. Uma outra garota, morena, gordinha, usando óculos de grau, olha a cena de longe, gosta da ideia e resolve tentar o mesmo truque de paquera. Se aproxima do garoto que é a fim, abraça a si mesma e diz: “que frio!”. O guri olha para ela com desprezo, joga um casaco e se afasta. Quá quá quá.

Na hora pensei: vai ser este o meu destino, afinal, não sou linda nem loira. Outras meninas devem ter pensado o mesmo: as de cabelo crespo, as narigudas, as pretas, as estrábicas, as dentuças, todas encantadoras a seu modo, mas que não correspondiam ao padrão linda e loira. Alguém morreu por causa disso? Era só uma brincadeira, ora. Eu sei, eu sei, tanto que virei a página e continuei lendo o gibi.

Virei a página? Mentira.

Anos depois, quando eu tinha idade para namorar, continuei me considerando fora do padrão e não apostava um níquel no meu poder de encantamento. Quando um garoto me tirava pra dançar, eu era aquela que olhava pra trás, achando que ele estava falando com alguém às minhas costas. Uma vez um cara gatíssimo chegou em mim numa festa e ficou conversando um tempo. Achei aquilo o máximo: ele, na verdade, estava querendo informações sobre uma amiga minha (linda e loira), mas ninguém estava escutando, parecia que ele estava a fim de mim, que felicidade! E uma vez o guri que eu gostava deixou um cartão embaixo da porta do meu edifício, e não tive a menor dúvida de que era coisa das minhas amigas, uma delas estava se fazendo passar por ele, claro.

Claro que não, mas eu enxergava alguma coisa na minha frente que não fosse a rejeição prometida?

Don´t cry for me, Brasil. A promessa não vingou e minha vida amorosa vai muito bem, obrigada, mas às vezes é preciso trazer à tona essas histórias, pois tem gente que reclama que as mulheres não estão deixando nada passar batido, nem mesmo uma piadinha. É chato, concordo, mas não tem outro jeito. O mundo mudou, e tem que mudar mais. Nunca é “só” uma piadinha, há sempre uma mensagem embutida que pode causar um estrago na autoestima de alguém, e sem autoestima as pessoas ou se acovardam, ou ficam muito agressivas, e nada disso é bom. Queremos uma sociedade saudável, leve, moderna? Eu quero.

Por isso, venho lembrar que temos mil defeitos, mas ser nem linda nem loira não é um deles, é apenas uma contingência, o que importa é a gente ser segura, ter a cabeça boa e levar nós mesmas o nosso casaco quando estiver frio, porque é isso que nos torna envolventes e merecedoras dos abraços mais calientes – quando der pra abraçar de novo, lógico.

Zero Hora: 29/08/20

FRASES ILUSTRADAS


domingo, 29 de novembro de 2020

GERAÇÃO VITIMISTA

UMA GERAÇÃO VITIMISTA QUE SÓ QUER DIREITOS E DESCONHECE DEVERES
Por Filipe Altamir

A era tóxica dos direitos inacabados e abstratos contaminou muitos dispositivos constitucionais e reflete uma sociedade moralmente doente e inerte, em que as gerações mimadas demandam inúmeros direitos e regalias mágicas sem tato nenhum com a realidade, mas ao mesmo tempo não possuem a noção básica de que para cada direito existente ou positivado, há uma imposição de um dever para outrem para que esse mesmo direito seja garantido. Ao afirmar que você tem direito à educação, você terceiriza uma responsabilidade individual a um conjunto de pessoas cuja obrigação seria cumprir aquilo que dependeria unicamente da sua disposição.

Você não tem direito à educação nem direito à saúde. Isso é pensamento metonímico. Você contrata e paga por serviços prestados de tratamento de saúde e serviços de prestação de tutoria sobre diversas áreas do conhecimento. O Estado não te proporciona saúde, pois isso é impossível. Afirmar que o direito à saúde existe é ignorar que a saúde comporta vários aspectos que são impossíveis de serem alcançados mediante uma prestação estatal. O que seria saúde? Existe a saúde fisiológica e saúde psicológica, e para atingir uma saúde completa você teria de ter uma plena ordenação em todos os aspectos materiais que contribuiriam para você atingir a saúde mental e corporal.

Você precisaria se alimentar bem, manter seus níveis de colesterol equilibrados, o pleno funcionamento do seus órgãos e cultivar uma vida equilibrada em todos os aspectos – material, social, amorosa – para atingir um nível satisfatório de saúde mental. Nada disso pode ser fornecido pelo Estado. Afirmar que você teria direito à saúde seria afirmar que o Estado tem a obrigação, mediante coerção e impostos, de equilibrar seus níveis, de manter seu corpo perfeitamente harmônico como idealmente deve operar e contribuir para que sua vida tenha equilíbrio social em fatos que competem somente a você, não aos outros.

Afirmar que possui direito à educação é conferir ao Estado coercitivo uma iniciativa de foro íntimo que só caberia a você. Nada adianta uma prestação de serviço com tutoria por um professor – responsável por te guiar na busca do conhecimento e sabedoria – se você não tomou a iniciativa e proatividade de abstrair o conhecimento segundo as orientações de um professor. A disposição íntima e pessoal de perquirir o conhecimento parte unicamente de sua consciência pessoal e de uma ação proveniente de um estado de insatisfação com a própria ignorância. Alguns sentem-se desconfortáveis com uma zona de desconhecimento permanente, outras não.

Essa noção mimada e completamente tóxica de uma procura inesgotável por direitos inexistentes parte de uma mentalidade pobre em imaginário completamente incapaz de conceber e imaginar as consequências de suas próprias demandas e ações. O pensamento metonímico e a confusão linguística empobrece o debate e gera uma confusão mental sem precedentes na mente de um analfabeto funcional. E muitos analfabetos funcionais ocupam cargos importantes e operam na sociedade como influenciadores e formadores de opinião, corrompendo a cultura e deturpando o imaginário coletivo da época.

Muitos fazem uma confusão dos demônios em cima de muitos conceitos. As feministas costumam confundir liberdade com a supressão do pensamento e juízo de valor alheio. Quando uma universitária de cabelo raspado e axila sem depilar afirma que tem o direito de ser livre para fazer o que quiser sem ser chamada de “vagabunda”, ela confunde liberdade com a mordaça do pensamento alheio. Ela acha que liberdade implica no controle do julgamento da sociedade, que nada mais é que uma manifestação legítima da liberdade de expressão de outras pessoas sobre suas ações. Você continua sendo livre, e o juízo de valor não é coerção. Confundir opinião negativa e crítica com coerção é outra confusão conceitual e linguística propalada pelos movimentos coletivistas, e o feminismo é campeão nisso.

Isso revela um fato que é deliberadamente ocultado por muitos movimentos sociais que capitalizam o vitimismo: no fundo, tudo se trata do medo do julgamento, não de reivindicação de direitos. Uma mulher tem o direito de fazer o que ela bem entender, assim como o homem, mas não temos o direito de neutralizar as consequências de nossas ações, incluindo aí também as críticas, os juízos de valores e opiniões sobre o que fazemos e deixamos de fazer. Conviver em uma sociedade livre é compreender que a nossa liberdade e nossas ações serão julgadas, e esses julgamentos são manifestações legítimas de pensamento. A reclusão radical e a cultura nociva do “não ligar para as críticas” também contribui para uma geração mimada estagnada que demanda da sociedade o pleno apoio para as suas ações mais desastrosas e autodestrutivas. Ninguém é obrigado a te achar bonito, a aprovar suas ações e concordar com o que você faz; você não tem direito de exigir aprovação alheia, e nem tem o mínimo direito de suprimir a manifestação de pensamento alheia sobre suas condutas.

Fonte: https://conexaopolitica.com.br

PARIS BLUES

LOUIS ARMSTRONG 
SIDNEY POITIER 
PAUL NEWMAN
The Battle Royal scene from the movie ":Paris Blues" Paris Blues (1961).
Grande parte da vitalidade de uma amizade reside no respeito pelas diferenças, não apenas em desfrutar das semelhanças. (James Fredericks)

LUGARES

JOSSELIN - FRANÇA

COMÉRCIO DE GIBIS

 COMÉRCIO DE GIBIS

Como acontece em todos os campeonatos mundiais de futebol, as editoras lançam álbuns de figurinhas estampando as fotos dos jogadores das seleções participantes do evento. 

Na Copa realizada no Brasil meu neto contava com seis (6) anos de idade. Já tinha discernimento para colecionar as tais fotografias, eis que conseguia identificar as seleções e seus craques. 

Meu filho comentou que deu um presente ao Daniel, levando-o até um local onde colecionadores de figurinhas se encontravam para praticar o escambo, o troca-troca, talvez a mais primitiva forma de comércio. 

De certa forma fiquei surpreso. Também tive os meus momentos de colecionador de figurinhas. Quem é sexagenário ou mais, haverá de lembrar dos termos "figurinha carimbada" e "figurinha difícil", que eram as estampas mais disputadas. 

Convido-os para uma viagem nostálgica, começando pelas "Balas Atlas". Eram coleções com motivos culturais. Colecionavam-se as bandeiras do estados brasileiros, personagens da história brasileira, fauna, flora, etc. Mas não recordo de troca-troca com local determinado. Trocávamos, sim, mas de forma incipiente, primária, sempre entre amigos. Também entre amigos, jogava-se o "abafa" com as figurinhas, nunca, porém, utilizando as mais procuradas. 

O troca-troca que conheci e pratiquei em lugares determinados, era de revistas em quadrinhos, conhecidos por "gibis". Acontecia nos domingos à tarde, nas famosas matinês, quando os cinemas da cidade exibiam dois filmes. O cinema Central, depois do segundo filme, ainda exibia um capítulo do seriado, uma espécie das novelas de hoje. Cada capítulo durava cerca de meia hora e terminava, invariavelmente, com o mocinho em situação de perigo. Durante toda a semana a expectativa era adivinhar como ele se livraria de mais uma armadilha preparada pelos vilões. Tudo sempre acabava bem. 

Antes da sessão cinematográfica e mesmo no intervalo ente um e outro filme, caminhava-se pelos corredores da sala de exibições com as revistas disponíveis para troca. 

Mas era no final da sessão, defronte ao cinema, que o "comércio" tomava grandes proporções. O valor das revistas era medido pela sua atualidade e pelo seu estado físico, além, é claro, pelo herói de cada revista. 

E os heróis eram muitos: Batman, Super-Homem, Fantasma, Capitão América e o sempre aplaudido e disputado Tarzan. Havia também a turma do velho oeste: Zorro, sem capa e espada e seu fiel escudeiro, o índio Tonto. Lembro também de Roy Rogers, Gene Autry, Rock Laine, Flexa Ligeira e tantos outros. Os bem mais antigos que eu hão de lembrar de Tom Mix e Hopalong Cassidy. 

Dependendo do rumo dos negócios, chegava-se em casa com quatro ou cinco revistas novas para garantir a leitura da semana. Algumas vezes, as histórias de bang-bang serviam de modelo para que as interpretássemos nas nossas brincadeiras de bandido e mocinho. 

O troca-troca de gibis, com certeza, era muito mais atraente do que colecionar figurinhas, além do que, era um excelente aprendizado para o futuro próximo, sem fantasias. 

Chegariam os dias em que os sonhos de criança seriam afastados definitivamente pelas responsabilidades da vida de adulto, que chegava muito, mas muito mais cedo do que nos dias atuais.

FRASES ILUSTRADAS


sábado, 28 de novembro de 2020

CRIME NO CARREFOUR

CRIME NO CARREFOUR
José Horta Manzano

Quero dar minha visão sobre o crime perpetrado no Carrefour. O que vou dizer não é agradável. Quando se deseja resolver um problema, o primeiro passo é reconhecer sua existência. Fazer cara de paisagem e fingir que não viu, como fazem muitos neste caso, não ajuda.

Tenho lido o que pensam dezenas de analistas sobre o triste ocorrido. Todos concordam que é absurdo contratar brutamontes desequilibrados e mal formados, enfiar-lhes um uniforme e dar-lhes a tarefa de garantir a segurança de um estabelecimento comercial. Concordo, sem dúvida, mas acho que o mal é maior e o buraco, mais profundo.

Aos 60 anos de existência, o grupo francês Carrefour atua em 30 países. Seu faturamento mundial no ano passado foi de 80 bilhões de euros. A França é o maior mercado, ficando o Brasil em segundo lugar. Com todo esse portento, as lojas da França não guardam registro de ocorrência tão trágica quanto foi a de Porto Alegre. Desavenças acontecem todos os dias, é da vida, mas nenhuma jamais atingiu nível tão exorbitante de violência.

O drama da semana passada deve nos levar a uma reflexão: por que razão, no Brasil, agentes de segurança se sentem livres para massacrar um cidadão? Faz dias que estamos perdidos em discussões improdutivas. Por um lado, analisa-se, sob todos os ângulos, o caráter racista do assassinato; por outro, organizam-se passeatas contra a rede Carrefour.

Ao fim e ao cabo, esses atos têm o poder de encobrir a realidade de nosso país, sem dar nem um passinho para reconhecer a realidade. Daqui a uma semana, o clamor popular terá baixado, e o problema continuará latente, mas encoberto e não resolvido.

Por que a violência come solta em nosso país?

A falta de treinamento dos seguranças é um dos componentes do drama de Porto Alegre, mas não responde à pergunta maior. O sentimento difuso de discriminação – contra pretos, nordestinos, mulatos, mulheres, pobres, homossexuais, estrangeiros, obesos, índios – é outro componente do drama, mas tampouco responde à pergunta.

Em terras menos violentas, apesar de pouco treinamento e de muito racismo, o resultado da abordagem seria a imobilização do cliente exaltado, não seu assassinato. Como é possível que, no Brasil, em que pese estarem mal formados, agentes de segurança achem natural transpor o limite entre a contenção de um rebelde e seu assassínio?

De pouco vai adiantar fazer passeatas contra o Carrefour ou quebrar a vidraça de suas lojas. De pouco vai adiantar fazer passeatas contra o racismo e as discriminações. É terrível dizer isto, mas não há como escapar: o problema não está no Carrefour nem no racismo, o problema está em nós. Em nós, sociedade brasileira. Em nós, herdeiros de um longo e trágico histórico de violência, escravidão, massacres, exploração da ignorância, lei do mais forte.

É importante exigir que agentes de segurança sejam selecionados com cuidado e recebam formação adequada. É importante, assim mesmo, ir além e refletir seriamente sobre as origens da insuportável violência nacional e sobre caminhos que levem ao apaziguamento de nossa sociedade. Quantos cadáveres são ainda necessários pra despertar essa reflexão?

Carrefour
É a palavra francesa para cruzamento (de ruas). Na Idade Média, o termo designava um cruzamento de dois caminhos. Na atualidade, só é usado quando se trata de avenidas largas ou de estradas de rodagem.

No latim medieval, o termo quadrifurcus (=que tem quatro forquilhas) indicava um cruzamento de dois caminhos, formando quatro esquinas. De quadrifurcus, evoluiu para carrefour. A mesma idéia está presente em nossa bifurcação. Neste caso, a imagem não vê quatro forquilhas, mas apenas duas.

Na logomarca da rede de supermercados, está presente a ideia de cruzamento, estilizada sob forma de duas flechas, uma voltada à esquerda e outra à direita. Entre as flechas, esconde-se um C maiúsculo, num formato que ilustradores chamam espaço negativo.

Fonte: brasildelonge.com
Se os sentidos não são verdadeiros, toda a nossa razão é falsa. (Tito Lucrécio, Poeta latino, 96-55 a.C.)

LUGARES

MAINAU - ALEMANHA

OS NINGUÉNS

©Candido Portinari
OS NINGUÉNS
Eduardo Galeano

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

— Eduardo Galeano, no livro “O livro dos abraços”. tradução Eric Nepomuceno. Porto Alegre: L&PM, 2002

Fonte: Por Revista Prosa Verso e Arte

FRASES ILUSTRADAS


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

VOX POPULI

VOX POPULI
José Horta Manzano

Acontece com todos os personagens importantes. Quando chegam lá, atraem inevitavelmente uma tropa de aduladores, cuja ocupação principal é achar graça em qualquer bobagem que o chefe disser, achar genial qualquer ideia que ele tiver, aprovar toda medida que ele decidir tomar. Isso cria uma realidade paralela, tão forte, que o chefe acaba acreditando ser onipotente e estar acima do bem e do mal.

Já tinha ocorrido com Lula da Silva. Agora, não foi diferente com Bolsonaro. Bobinho, acreditou num carisma e num poder que não tinha, e se expôs durante a campanha eleitoral para as municipais. Não precisava, que era melhor ter-se preservado. Mas como ninguém teve a coragem de avisar, fez.

Deu no que deu. O que antes estava no terreno das suposições, agora tem o peso da vox populi – a voz do povo. As urnas falaram, como diria o outro. E não tem como fingir que não viu. O resultado está aí pra quem quiser ver.

Assim como o veredicto deixa um presidente diminuído, o lulopetismo também sai das urnas achatado, desmilinguido e sem gás. A situação é pra lá de péssima para ambos, Bolsonaro e Lula.

Lula se dá conta – se é que ainda não tinha caído a ficha – de que seu tempo passou. O que está feito, está feito. Mais não haverá. Quanto a Bolsonaro, assiste ao desmanche do (falso) enredo de ser ele o bastião que vai purificar o Brasil, livrando-nos do petismo.

Por um lado, o PT já não é ameaça para ninguém. Por outro, a extrema esquerda representada pelo PSOL desponta como força ascendente. E os temidos psolistas surgem nos braços do povo, situação espinhosa para Bolsonaro.

O ‘centrão’, que de bobo não tem nada, já se deu conta da nova paisagem. Num estalar de dedos, podem todos saltar fora do bonde e deixar o presidente falando sozinho. Se isso ocorrer, a cotação do doutor no mercado vai cair. Será caminho espinhoso que pode levar ao encurtamento de seu mandato.

Vox populi
É expressão latina que se traduz por voz do povo. Aparece já na Bíblia mas, como toda citação das Escrituras, tem de ser tomada com precaução. Termos bíblicos atravessaram muitos séculos e foram objeto de muitas traduções, às vezes malfeitas. De todo modo, o original não teria o significado que lhe atribuímos hoje.

A expressão completa utilizada atualmente é: Vox populi, vox Dei – A voz do povo é a voz de Deus. É o enunciado sobre o qual repousa a noção de democracia.

Fonte: brasildelonge.com
A mulher ideal é sempre a dos outros. (Stanislaw Ponte Preta)

LUGARES

PARIS - FRANÇA

MR. MILES


Prezado mr. Miles: já li algumas histórias sobre as diferentes mão de direção no tráfego ao redor do mundo e gostaria de saber por que os Estados Unidos não usam a mão inglesa, já que vocês os colonizaram.
Alois Hawk, por email 

Well, my friend: já tive a oportunidade de discorrer sobre esse assunto desagradável em longínqua correspondência do passado. Mas folgo em repetir que só existe uma legítima mão de direção, que é a nossa, à moda inglesa. A outra maneira de conduzir é apenas o resultado de um capricho de Napoleão Bonaparte, que acabou, unfortunately, consagrando um erro. Senão vejamos: presume-se que os povos da Antiguidade sempre trafegavam pelo lado esquerdo. Uma bem conservado caminho romano descoberto aqui perto, em Sweney, corrobora, pela profundidade dos sulcos registrados pelos arqueólogo que, in fact, desde sua tenra infância, os povos já sabiam o que fazer. E a explicação, by the way, é de uma simplicidade conclusiva: já que a maioria dos humanos é destra, era importante cavalgar com a mão direita livre para poder saudar ou lutar contra o transeunte que viesse no sentido contrário. Very easy, isn't it?

Infelizmente para a história, aquele franco-corso baixinho e poderoso que veio a comandar as hostes gaulêsas era canhoto. E assim, por capricho, criou a mão errada.

Well: cerca de 35% das estradas mundiais, at least, ainda são dedicadas a veículos como os nossos, aqui na Grã-Bretanha. As demais converteram-se por motivos diversos.

Sobre a sua questão específica, dear Alois, informo que os americanos do norte — certamente ingratos pelo que legamos a eles — , vieram da mão inglesa para a equivocada ao longo do tempo. A primeira cidade a fazê-lo, em 1792, foi a Filadélfia. E a que resistiu mais tempo foi New Jersey, que, well, saiu do armário em 1813.

É bom que você e os demais leitores saibam que o Brasil só adotou a mão francesa em 1928, seis anos após o centenário de sua independência. Antes disso, I must say, não haviam regras. Reinava o caos. Carruagens, caleches, e diligências andavam por onde queriam, com seus cocheiros de libré soltando impropérios, como eu mesmo ví no Rio de Janeiro, durante a Exposição Comemorativa do Centenário da Independência.

Ainda sobre o tema, é preciso lembrar que, até hoje, inúmeros países não definiram por que lado do caminho preferem seguir, de modo que há mudanças de província para província ou cidade para cidade. O leste da Rússia, por exemplo têm áreas com a mão corretamente britânica. Na China, Hong Kong e Macau andam pelo lado certo. Já Pequim e Xangai adotaram o galicismo.

O mais curioso são os lugares onde predomina um sentido e os carros que circulam foram projetados para o sentido contrário. As Ilhas Virgens Americanas, for instance, seguem o nosso sistema de trânsito, herdado de seus antigos colonizadores dinamarquêses. However, só existem, por lá, carros americanos. Ou seja: é o que vocês chamariam de Samba do Crioulo Doido. Situação exatamente inversa ocorre em Mianmá e no Afeganistão: tráfego à francesa, veículos à inglesa. In other words, dear Alois: o que está feito, está feito. Não será nem a primeira, nem a última vez que a maioria escolhe os caminhos errados. 

Don't you agree?

Fonte: Mr. Miles - Facebook

FRASES ILUSTRADAS


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

RESQUÍCIO DO IMPÉRIO

RESQUÍCIO DO IMPÉRIO
Hélio Schwartsman

Renda não pode ser critério para definir quanto dinheiro eleitor pode dar ao candidato

O Brasil é um país engraçado. Em nome de um elusivo equilíbrio na disputa eleitoral, regulamos até o tamanho do cartaz que o cidadão pode afixar em sua janela (0,5 m2 no máximo), mas permitimos que milionários façam doações polpudas, com muito maior poder de “influenciar” o voto.

Não tenho nada contra doações de pessoas físicas, muito pelo contrário. Não vejo grande diferença entre fazer um discurso apaixonado em defesa de um candidato, algo que a maioria das pessoas toma como sinal de vigor da democracia, e abrir a carteira para ele. Acho até que a competência para arrecadar fundos é um bom “proxy” da capacidade gerencial que desejamos nos administradores.

Não vejo, porém, como justificar a norma aqui adotada que fixa o limite da doação em 10% da renda bruta auferida pelo eleitor no ano anterior ao do pleito. Como mostrou reportagem da Folha, esse mecanismo permite que empresários bem-sucedidos irriguem as campanhas de seus políticos favoritos com valores significativos, que podem exceder R$ 1 milhão.

Há aí um erro conceitual. Assim como uma conta bancária mais gorda não dá direito a depositar mais votos na urna, a renda do eleitor não poderia jamais ser critério para definir quanto dinheiro ele pode despejar numa eleição.

O limite da doação deveria ser, no melhor espírito democrático, um valor nominal igual para todos. E não muito elevado, para evitar que o eleito se torne grande devedor de seus patrocinadores. Penso em algo como R$ 3.000, R$ 5.000 no máximo —números já bem superiores ao rendimento domiciliar mensal médio do brasileiro, que foi de R$ 1.406 em 2019.

Vejo nessa regra dos 10% um resquício do voto censitário que já vigorou entre nós (Constituição de 1824) e que estabelecia que apenas homens livres, maiores de 25 anos e com renda anual de mais de 100 mil réis podiam votar nas eleições primárias. É algo que já deveríamos ter superado.

Fonte: Folha de S. Paulo
O ato de desobediência, como ato de liberdade, é o começo da razão. (Erich Fromm, Psicanalista alemão, 1900-1980)

LUGARES

BURANO - ITÁLIA

NÃO TROPECE NA LÍNGUA




QUANTO A, JUNTO A, DEVIDO A, DADO

A pedido, vamos tratar do uso da crase com as locuções prepositivas quanto a, junto a, relativamente a, etc.

A locução prepositiva é composta de dois ou mais vocábulos, sendo o último deles uma preposição simples (ex.: ao lado de, de acordo com, frente a). Sua função é a mesma da preposição. Só nos interessam agora as locuções que acabam na preposição a, pois estas exigem o a craseado quando se ligam a um substantivo feminino determinado.

Como são relativamente poucas as locuções que se enquadram nesta categoria, pode-se memorizá-las para evitar os condenáveis erros de crase:

1. Graças à competência do médico, o menino se curou completamente.
2. Em atenção à reclamação formulada por sua empresa, revisaremos o produto.
3. Foram abertas inscrições com vistas à renovação da diretoria.
4. Nada apuramos quanto à participação da nossa equipe no campeonato estadual.
5. Em relação à solicitação de emprego que V. Sa. nos fez, nada podemos adiantar.
6. Qual seu interesse relativamente às tabelas afixadas no mural?
7. O governo se calou no tocante às perguntas sobre o empréstimo compulsório.
8. Qualquer matéria com referência à música minimalista é de nosso interesse.
9. Face às necessidades detectadas, novas prioridades serão estabelecidas. [V. também Não Tropece na Língua 024]
10. Qual foi sua atitude com respeito à difamação?
11. O carro pifou próximo à rua onde morávamos.
12. Frente às reivindicações dos funcionários, a diretoria fará alterações no quadro.
13. Parou em frente às galerias.
14. Vamos nos encontrar defronte à barbearia do Luís.
15. Viajou em direção à fronteira.
16. O governador logrou êxito junto às autoridades federais para que fossem liberadas outras linhas de crédito.

O uso de junto a em frases desse tipo (e outras como: solicitar providências junto a, conseguir/obter/acertar/fazer pedidos junto a alguém) é condenado por puristas. Contudo, não há como negar a sua frequência em artigos de jornais, revistas e correspondência em geral. Estritamente falando, junto a significa apenas “perto, próximo, ao lado”, por exemplo: Encostou o carro junto à calçada.

17. Os produtores de uva enfrentaram uma queda de produção de 70% devido à ocorrência de geadas em outubro.

Devo advertir que o uso de devido a não tem o “respaldo dos autores cuidadosos”, no dizer do professor A. da Gama Kury, porque a locução surgiu da “masculinização” do particípio do verbo dever, que concordava normalmente com o substantivo referente: “ausência devida a problemas pessoais; problemas devidos ao excesso de chuvas”.

Já a opinião de Celso Luft é a seguinte: “Os puristas não gostam desta locução e acham que devido deve ser usado apenas como particípio: o acidente foi devido (= deveu-se) a um descuido. O uso corrente da locução, claro, desautoriza os puristas”.

Em todo caso, observe-se a concordância quando devido é realmente particípio e atente-se sempre para a colocação do acento indicativo de crase diante de substantivo feminino, dada a presença da preposição a nos dois casos: Acidentes devidos a motoristas imprudentes / ao desatino / à imprudência do motorista... Foi cancelado o show devido a problemas / devido ao tempo / devido à chuva.

DADO O, DADA 

Dada a dificuldade em alugar uma casa, ficaremos no apartamento.

Que não se faça confusão com a locução "devido a", apesar da semelhança de significado e uso. Dado sim é um particípio; não rege preposição, portanto não forma uma locução, mas concorda com o substantivo sequente: Dado o mau tempo / dados os raios e trovões / dada a chuva / dadas as condições de tempo, não fomos à praia.

Fonte: www.linguabrasil.com.br

FRASES ILUSTRADAS


quarta-feira, 25 de novembro de 2020

TO PIX OR NOT TO PIX? THAT IS THE QUESTION

TO PIX OR NOT TO PIX? THAT IS THE QUESTION
Antonio Silvio Lefèvre

…Em vez de aderir ao Pix e outros modismos tecnológicos,
eu prefiro, por enquanto, ficar no “piques”…

Não, eu não sou um velhote “conservador”, desses que ainda hoje insistem em mandar cartas pelo correio para amigos na Europa ou ligar para eles pelo telefone fixo, pagando uma fortuna pela ligação, como se fazia quando não existiam ainda o e-mail e o Skype…

Ao contrário, considero-me até um precursor pois, ainda nos anos 80, sentindo a falta que fazia poder falar com minha mulher quando um de nós não estava ao alcance de um telefone fixo, rodei as lojas de New York até conseguir comprar um par de walkie-talkies que prometia nos permitir falar por onda radiofônica com até 2 milhas de distância. Pena que, ao chegar de volta a São Paulo, percebi que o alcance ia no máximo até a próxima esquina.

Dava, então, para entender porque uma linha de telefone fixo era algo tão necessário e caro que precisava ser incluído na declaração de bens do imposto de renda. Em 1997, ainda, dei uma linha fixa de presente de casamento para minha filha! Já tinham aparecido então os primeiros telefones móveis, uns tijolões enormes, dos quais comprei um, com o qual tentava ligar para linhas fixas porque o “portátil” quase ninguém tinha. Só que em 90% dos casos não completava a ligação.

E a internet então?

Fui dos primeiros a ter em casa uma conexão com o sistema experimental implantado na USP, que nos permitia mandar mensagens de texto para outros testadores da rede, e olhe lá. E na virada do milênio estive entre os precursores na utilização do e-mail, não só para comunicações pessoais mas como uma ferramenta de divulgação de marketing que, em artigo para o PropMark e depois para O Globo, classifiquei como “a mais fantástica e democrática ferramenta de comunicação jamais imaginada, capaz de colocar a mensagem certa na frente da pessoa certa, em questão de segundos, a um custo muito pequeno, o que a torna acessível a qualquer tipo de negócio.” Fui também um entusiasta dos websites e das lojas virtuais, das quais a minha Livraria Resposta foi uma das primeiras.

De lá para cá, foram surgindo novidades, às quais eu estava e continuo a estar sempre atento. Porém percebendo suas limitações e, em função delas, me mantendo à distância. Foi o caso do Orkut, que em pouco tempo faleceu, e do Facebook, que entrou em moda em seguida, mas que sempre me pareceu muito confuso pelo excesso de possibilidades que oferece e que acaba misturando informações pessoais e comerciais, sem que o usuário saiba escolher o que ver e o que postar e para quem. Facebook nunca funcionou para mim, tanto para contatos pessoais quanto para vendas da minha livraria.

Depois disso surgiu o WhatsApp, a meu ver a mais revolucionária novidade em comunicação depois do e-mail. Sim, por permitir comunicação direta e imediata, em texto e em voz, entre pessoas em qualquer lugar do mundo. Se em meu passeio por New York nos anos 80 eu tivesse adivinhado que algo assim iria aparecer não teria gasto tempo e dinheiro comprando aquele Walkie-talkie que logo foi para ao lixo. Iria esperar mais 40 anos.

Nos últimos tempos várias outras novidades foram aparecendo. O Telegram, espécie de variante do WhatsApp com mais recursos foi uma delas. A mais recente foi o Instagram, ao qual os novidadeiros aderiram em massa e que eu considero tão ou mais confuso do que o Facebook, com um verdadeiro bombardeio de imagens e textos que vão se sobrepondo, sem que o usuário saiba como buscar o que deseja e como ficar lá, sem ser jogado para outras “stories” de gente que não conhece e nem interessa conhecer.

Na minha visão de usuário e de profissional de marketing, as tecnologias que mais atendem às necessidades das pessoas e são as mais fáceis de entender e de usar são aquelas que mais tendem a durar. Isso parece óbvio, mas a verdadeira febre de novidades tecnológicas que tem surgido nos últimos anos tende mais a confundir do que a acrescentar.

Nada substitui um bom website para a apresentação de pessoas, instituições e negócios. E, por enquanto, nada substitui o e-mail como ferramenta de comunicação interpessoal ou entre instituições e empresas, pela possibilidade de incluir textos longos e anexar arquivos de texto e de imagens. Nem mesmo o Whatsapp que, embora seja fantástico especialmente por permitir acesso a usuários que só tem o celular como meio de contato, é mais limitado quanto à inclusão dos conteúdos.

O sistema bancário é outro em que as novas tecnologias vieram para ficar. Os primeiros cartões de crédito, de cujo lançamento no Brasil eu participei na Credicard no começo dos anos 80, revolucionaram o comércio, tanto de lojas quanto o virtual, e hoje são corriqueiros, embora boa parte da população ainda não os use.

Até recentemente tínhamos que ir ao banco várias vezes por semana, para pagar contas ou simplesmente sacar dinheiro. E era imprescindível carregar consigo um talão de cheques. Atualmente conseguimos fazer quase tudo à distância, pelos sites dos bancos e um cartão de débito ou de crédito na carteira mais uns trocados em espécie resolvem quase tudo.

E o risco envolvido em todas essas novas tecnologias?

Muita gente tem medo das comunicações e pagamentos pela internet. Alguns por pura paranoia ou ignorância, outros por uma boa dose de precaução e bom senso.

Entre os paranoicos/ignorantes, destaco aqueles clientes que, conheço bem, ao fazerem uma compra numa loja virtual, optam pelo boleto bancário em vez de pagarem por cartão de crédito, embora com este a aprovação da compra seja imediata e o cliente tenha prazo para pagar, no vencimento da fatura. Motivo: eles tem medo de informar os dados do cartão na loja e do cartão ser clonado. Falta-lhes a informação básica de que não há risco algum, pois se aparecer na fatura do cartão uma compra não reconhecida e o cliente reclamar, o cartão estorna de imediato.

Cabe aos bancos, nos últimos tempos, uma boa parte da culpa pelo medo dos usuários. Sim, porque embora todos eles tivessem implantado operações pela internet há alguns anos e já funcionando bastante bem, ultimamente, alegando riscos complicaram enormemente o uso de suas plataformas, aumentando o numero de etapas, exigindo às vezes 3 ou mais senhas, tokens, etc., que acabam causando muita insegurança.

Uma das coisas que complicaram muito a vida dos usuários foi a mania, recente, de insistirem para as pessoas baixarem “aplicativos”. Bancos, seguradoras e até os grandes jornais, em vez de simplesmente disponibilizarem o acesso através dos seus websites, como sempre fizeram, insistem nos aplicativos. Ora, esses sobrecarregam a memória dos celulares e acabam tornando os acessos mais lentos e complicados em vez de mais simples e rápidos do que nos sites. A conclusão é que acabam dando mais medo ainda.

Ora, se riscos existem nas operações bancárias pela internet, os bancos deviam é contorná-los sem passar o ônus da complicação aos clientes.

E quanto ao risco das comunicações por e-mail e por WhatsApp? Acredito que ninguém tema o vazamento de seus e-mails. O fato de se ter lido que e-mails pessoais da Hillary Clinton foram vazados e depois de se ter conhecimento dos e-mails da Odebrecht com os investigados na Lava Jato deixou claro que eles foram lidos seja porque alguém acessou computadores dos destinatários, seja porque Sergio Moro os divulgou nos processos. Não porque tenham vazado pela ação de hackers. Isto acendeu uma luzinha vermelha a mais para o cuidado com a segurança dos computadores e celulares que recebem os e-mails, mas não para algum risco no envio dos e-mails propriamente ditos.

Já com o WhatsApp a coisa é diferente e aí realmente se justificam muitos medos, em especial pela quantidade e variedade de golpes que tem sido aplicados em usuários desta ferramenta. Hackers que capturam contas do Whats e mandam mensagens para os contados pedindo dinheiro são cada vez mais frequentes (dois casos de amigos meus nesta semana) e justificam não só o medo, mas muitas medidas de precaução por parte da própria plataforma e dos seus usuários.

Ora, se um bandido pode conseguir entrar no meu celular e me fazer mandar dinheiro para ele, com o disfarce de ser um filho, ou uma mãe, quem me garante que, se eu tiver esse tal de Pix, que permite transferir dinheiro instantaneamente de uma conta para outra, de qualquer banco, a qualquer dia e hora, isso não irá facilitar enormemente a ação dos bandidos?

Para o usuário esclarecido, que faz a quase totalidade de suas compras com cartão de crédito ou débito, qual seria a vantagem do Pix? A meu ver seria só a de deixar de pagar as tarifas de DOC e TED para depósitos em outros bancos, que normalmente são operações esporádicas e alguns tem até isenções. Para o pagamento das demais despesas, os cartões e boletos são mais do que suficientes. Claro que os lojistas vão preferir que o cliente pague com Pix do que com cartão de crédito, porque o dinheiro entrará na hora, mas para o cliente isso é desvantagem, não vantagem.

A conclusão é que, em troca da isenção ou redução de uma tarifa de DOC ou TED, que são modalidades pouco usadas, o Pix oferece muito risco de aparecerem lançamentos surpresa na conta bancária do usuário, o que exigirá que ele confira o extrato todos os dias ou várias vezes ao dia.

Levando tudo isso em conta, é mais do que compreensível que as pessoas estejam com muito medo desse Pix, inclusive pela insistência com que bancos e outras instituições estão pressionando os clientes neste sentido, o que faz muita gente pensar que ”se é tão bom para eles não deve ser bom para mim”. Eu, entre elas, estou aconselhando meus familiares e amigos a ficarem no “piques” (como as crianças no pega-pega) em vez de aderirem ao Pix, pelo menos por enquanto e a não ser que, com o tempo, esta modalidade venha a se mostrar realmente vantajosa e segura.

E o que dizer da vulnerabilidade do Telegram? Muitos, como eu, só ouviram falar dele ao saberem que o hacker contratado pelo Glenn Greenwald tinha “interceptado” conversas de Moro e Dallagnol nesta ferramenta. Pelo que verifiquei com experts, o risco de bandidos aplicarem golpe pelo Telegram é o mesmo do WhatsApp. E, embora a ferramenta seja muito boa e eficaz, como o Whats, isso justifica também muitas medidas de precaução no seu uso.

Fonte: https://www.chumbogordo.com.br
No Brasil, lei é como vacina. Umas pegam, outras não. (Otto Lara Resende, Escritor brasileiro, 1922-1992)

LUGARES

FLORIANÓPOLIS - SANTA CATARINA

O CAMINHÃO DE BOMBEIROS ALEMÃO

O CAMINHÃO DE BOMBEIROS ALEMÃO
Autor: Robervaldo Degudi

Vocês podem não acreditar, mas o Corpo de Bombeiros Voluntários de Barra Velha precisou aprender a falar alemão para dar maior segurança à comunidade!

Eu explico: quando se instalaram às margens da BR-101, os bombeiros estavam carentes de recursos para desempenharem sua função. Tinham por exemplo, uma ambulância velha e decrépita, carinhosamente apelidada de “melancia”. Porque era vermelha e cheia de pontinhos pretos – ferrugem.

Imagine o alívio e alegria dos valentes soldados, quando chega a notícia que ganhariam um caminhão totalmente equipado – e novo! – para apagar o fogo. Uma doação da República Democrática da Alemanha.

Era realmente um caminhão impressionante. Com tudo o que seria necessário para enfrentar um incêndio. 

Claro que foi feita uma cerimônia de entrega com todas as formalidades, discursos, aplausos, parabéns... até que o Prefeito solicitou ao comandante que fizesse uma pequena demonstração do equipamento.

Pra quê! Os nomes escritos em todas as partes que poderiam ser manuseadas, estavam em língua alemã!

Se o comandante não fosse um homem forte, teria desmaiado ali mesmo, ao confessar sua ignorância quanto ao funcionamento do caminhão. E por força do contrato de doação, estava proibido fazer qualquer alteração no veículo por um período de 2 anos. Teriam que deixar aqueles escritos, do jeito que estavam, sem apagar, sem acrescentar absolutamente nada...

O comandante ficou uns três dias olhando o caminhão, folheando o manual, sem entender nadinha do que estava escrito. Desgostoso, foi até a margem da BR-101 e olhando para o outro lado, achou a solução! Lá estava o galpão onde seo Rupert, um alemão “legítimo” (veio de Munique) mantinha uma estrebaria para cavalos de passeio e charretes.

Seo Rupert prontificou-se a ajudar.

- “Teicha comigo, nóis quebrrra essa” – prontificou-se o Rupert, já absorvendo um pouco da nossa gíria.

Por uma questão de segurança, optaram então por usar os controles com seus nomes originais, em alemão mesmo, para evitar enganos graves.

Após muitos meses de treinos, os soldados estavam prontos para a ação. Até com sotaque cheio de “erres”.

Vocês nem imaginam como foi a primeira vez que foram chamados para a ação. Foi na praia do Grant, onde um barco que estava na areia para reparos, pegou fogo.

Foi coisa de cinema. Aquele baita caminhão vermelho-sangue, imponente, descendo o morro, com a soldadesca uniformizada, agarrada nas grades laterais, as luzes piscando, a sirene berrando a todo volume: ihú, ihú, ihú...

Já era início de verão e a praia estava já com muitos veranistas, além do pessoal nativo, pescadores principalmente.

O comandante, majestoso, o capacete brilhando, desceu do caminhão e começou a dar as ordens, para estupefação geral dos presentes:

- Zezinho – iniciou ele – pegue a erster Zwischenschlauch; Beto, puxe a zweiten com o Wasserspritze; - Franco, engate na Ausgangventil links, shnell! Schnell!

- Cacau, acione a Druckpumpe assim que eu der o sinal!

- Batista, ajude o Vardo com com a dritte Zwischenschlauch, a gente vai precisar.

- Cacau, agora acione a Hilfspumpe; achtung, cuidado com o vento!

-Franco, não esqueça da Ventil der Druckregulierung; - aumente o Spritze.

- Batista, volte e suba para ver como está o Wasserkapazitätsmesser!

Como bom comandante que era, ele ia junto com seus comandados até onde estava o fogo.

- O incêndio é de óleo diesel, pessoal! – disse ele. – Batista, ligue a Ventil des Schaumgummigenerators e cuidado para não fechar a Ventil der Luftgegenkraft.

- Beto, mude o Spritze pro Breitstrahl, o Wasserwand não é mais necessário. Feche a Ausgangsventil.

E assim debelaram o fogo no barco do Zé Malavão.

Os aplausos foram ensurdecedores e muito merecidos, pela competência dos “homens do fogo”

O Comandante então mandou enrolar as Schlaeuche, guardá-las no Schlauchspint e emocionado agradeceu as pessoas na praia – Wir sind Dankbar, pessoal!!

E passando pelos seus comandados, disse com os olhos marejados de lágrimas: - Um grande Dankbar para vocês também, rapaize.

Em posição de sentido, conta-se que os bombeiros responderam: - Jawohl, Herr Comandant!

Dizem que teve gente que de emoção, até chorou em alemão!

FRASES ILUSTRADAS


terça-feira, 24 de novembro de 2020

LEI DO ECOCÍDIO

LEI DO ECOCÍDIO
José Horta Manzano

O governo francês acaba de anunciar o envio ao parlamento de uma lei que criminaliza todo e qualquer ato capaz de causar dano importante ao meio ambiente. Visto que o governo conta com folgada maioria, o novo dispositivo deverá ser aprovado. Será provavelmente conhecido como Lei do Ecocídio.

O texto ainda deve sofrer alterações, mas o cerne permanecerá. Na mira do legislador, estão não somente os danos intencionais, mas também os que forem causados por negligência. Deverão ser punidos comportamentos como despejar num rio material poluente, atear fogo à vegetação, expelir fumaça tóxica.

As multas previstas são dissuasivas: vão de 375.000 a 4,5 milhões de euros. Segundo a ministra da Ecologia, o poluidor periga levar multa de até dez vezes o valor que ele economizou despejando seu esgoto industrial no rio.

Um segundo projeto de lei está em preparação para punir as agressões ainda mais graves. Os crimes que se enquadrarem neste outro dispositivo vão render ao autor pena de até um ano de prisão em regime fechado.

Não se deve esquecer que os 594 membros de nosso Congresso constituem um Poder independente do Executivo e do Judiciário. Tirando os que, por convicção ou por interesse, se ajoelham diante de doutor Bolsonaro, os demais deveriam mirar-se no exemplo francês.

Com o presidente empacado que temos e com o execrável ministro do Meio Ambiente que o assessora, não há esperança. Está claro que o Executivo não vai se mover na boa direção.

O Congresso está aí justamente para servir de contrapeso a uma presidência que bate cabeça enquanto nossos rios se enchem de mercúrio e de esgoto, e nossa vegetação vira fumaça.

No dia em que nossos desmatadores e poluidores começarem a ser encarcerados, os atentados contra a natureza cessarão rapidinho.

Fonte: brasildelonge.com
Pensar é mais interessante do que saber, mas é menos interessante do que olhar. (Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão, 1749-1832)

LUGARES

BRIENZ - SUÍÇA

ROMANCE FORENSE

Charge de Gerson Kauer
O MESTRE DO JÚRI
Por Maurício Krieger, 
advogado (OAB-RS nº 73.357) 

Em uma cidadezinha pacata, no interior do Rio Grande do Sul, chamada Crissiumal, quase nunca ocorrem homicídios. Quase nunca. 

Mas há registros de dois assassinatos, no entanto sem condenações. 

Como se sabe, nos crimes dolosos contra a vida, o julgamento ocorre perante o júri popular, formado por sete jurados. 

Na região existe um advogado de defesa que é conhecido como o “mestre do júri”, por sempre conseguir a absolvição de seus clientes. Ele é conhecido pelo pseudônimo de Marco Halley. 

Na defesa de um cidadão - acusado de matar a sua mulher por motivo de traição - o advogado começa a sua defesa:

- Caros jurados, todos na cidade sabem quem foi a vítima, quais seus hábitos, e portanto, todos sabem que essa p... teve o fim que mereceu. Ela era uma ordinária, desclassificada que já passou pelas mãos de muitos homens desta cidade”. 

O juiz interrompe e determina ao advogado que pare com as ofensas à pessoa da falecida. 

O doutor Halley observa, medita e volta à carga:

- Ok, eu paro, não vou mais chamar essa mulher de vagabunda, de safada e de prostituta!. 

Alguns desdobramentos mais e, horas depois, o réu é absolvido por 4 x 3. 

O júri era formado por quatro homens e três mulheres.

Fonte: www.espacovital.com.br

FRASES ILUSTRADAS


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

WHATSAPP, FERRAMENTA DO DEMÔNIO

WHATSAPP, FERRAMENTA DO DEMÔNIO
Antonio Prata

Se usássemos tambores ou sinais de fumaça, nos entenderíamos melhor

Neste ano, engolfado pelo conluio tenebroso entre confinamento e Bolsonaro, entrei em diversos grupos de zap cujo objetivo é defender e aprimorar a democracia. “Conversas progressistas”, “Esporte pela democracia”, “#estamosjuntos”, “Autores democratas”, “Escola antirracista”, “Corredores antifascistas” e por aí vai. Não houve um único grupo em que não chegássemos, em algum momento, numa batalha campal.

Engraçado (nem um pouco, na verdade) é a semelhança das brigas. Frases como “Gente, vamos respeitar a opinião alheia?”, “Discordar é uma coisa, debochar é outra!”, “Desculpa, não era esse o tom que eu quis dar”, “A gente já não tinha decidido isso, pessoal????!” e invariavelmente: “fulano saiu do grupo”, “sicrano saiu do grupo”, “beltrano saiu do grupo”.

Depois de participar da décima batalha virtual, comecei a desconfiar que o problema não era das pessoas, das causas, do desespero com o governo ou do estresse com a quarentena. A encrenca era a ferramenta. Quando penso, hoje, sobre criar um movimento coletivo via WhatsApp, a imagem que me vem à cabeça é a de servir um almoço, coletivamente, sobre uma esteira rolante.

Às 14:32:28 o Daniel põe um garfo. A Joana chega às 14:32:35 e põe a faca, o Valter, entrando às 14:32:43, reclama: “Gente, tá o garfo num lugar e a faca três metros depois, não seria mais interessante botarmos um do lado do outro?”. “Desculpa, querido, mas você chegou agora, eu e a Joana estamos aqui tentando botar a mesa, se você tivesse chegado antes, poderia ajudar mais em vez de criticar”. Aí vem alguém com a salada, outro estende a toalha por cima, a carne fica ao lado da sobremesa. Oito da noite, um desavisado entra no grupo e sugere, sem saber o que rolou ali o dia todo: “pessoal, e se puséssemos a mesa?”.

Não é a mente vazia a oficina do demônio, é o WhatsApp. Dentro dele a conversa não se concatena, os raciocínios não fecham, as decisões invariavelmente ficam no ar. É uma ferramenta perfeita pra disseminar o caos, no bom e no mau sentido. O bom sentido é a bagunça dos grupos de amigos. Ninguém ali está tentando construir nada, só quer se divertir postando memes, gifs, vídeos engraçados. Qualquer um pode entrar a qualquer hora e em qualquer ponto da conversa e simplesmente sorrir com o que passa na esteira.

Já no lado maléfico da balbúrdia está a disseminação de fake news. Justamente pelo fato de as conversas não terem começo, nem meio nem fim, tudo chega entreouvido. Frases soltas. Informações desconexas. O Trump querendo que parassem a contagem dos votos nos estados onde estava na frente e poderia perder, ao mesmo tempo em que exigia a continuação da contagem onde poderia ganhar é o tipo de loucura que só faz sentido neste mundo do WhatsApp.

O fato de estarmos vinte e quatro horas por dia com a cara no celular, discutindo em 176 grupos, simultaneamente, também não colabora muito na concentração. Incêndio no Pantanal, legalização do aborto, mamadeira de piroca, eleição na Índia, violência policial e figurinhas da Hebe fazendo coraçãozinho de mão se misturam, sem muita hierarquia e em alta velocidade. É na tela plana que germinam as Terras planas. Duvido que, se estivéssemos todos em torno de uma mesa, olhos nos olhos, as pessoas teriam coragem de dizer metade dos absurdos que enviam por WhatsApp.

Acho até que, se em vez de celulares usássemos tambores ou sinais de fumaça, nos entenderíamos melhor. Mesmo porque deve ser bem difícil comunicar, com toques de atabaque ou uma fogueira, conceitos tais como “mamadeira de piroca”.

Fonte: Folha de S. Paulo
Viver neste mundo sem se deixar contaminar por seus preconceitos morais é como passar uma temporada no inferno sem suar. (Henri Louis Mencken, jornalista americano, 1880-1956)

LUGARES

MONTEVIDÉU - URUGUAI

A MORTE DEVAGAR

A MORTE DEVAGAR
Martha Medeiros

Morre lentamente quem não troca de idéias, não troca de discurso, evita as próprias contradições.

Morre lentamente quem vira escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado. Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar tanto espaço em uma vida.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto atrás de um sonho, quem não se permite, uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não acha graça de si mesmo.

Morre lentamente quem destrói seu amor-próprio. Pode ser depressão, que é doença séria e requer ajuda profissional. Então fenece a cada dia quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem não trabalha e quem não estuda, e na maioria das vezes isso não é opção e, sim, destino: então um governo omisso pode matar lentamente uma boa parcela da população.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um projeto antes de iniciá-lo, não perguntando sobre um assunto que desconhece e não respondendo quando lhe indagam o que sabe. Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto, demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.

– Martha Medeiros, crônica publicada originalmente no jornal ‘Zero Hora’, em 1 de novembro de 2000. Disponível no link. (acessado em 11.7.2016).

Sobre a falsa atribuição
* Martha Medeiros é autora de poema atribuído a Neruda – ZH. Disponível no link. (acessado em 11.7.2016).
:: Poema atribuído a Pablo Neruda na Internet é de Martha Medeiros. por L&PM Editores, 13/1/2009. Disponível no link. (acessado em 11.7.2016).

Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com

FRASES ILUSTRADAS


domingo, 22 de novembro de 2020

REALIZEI TUDO SOZINHO

REALIZEI TUDO SOZINHO
José Horta Manzano

Domingo passado, o Brasil assistiu, surpreso, à inusitada demora na apuração dos votos. Pra quem está acostumado, há vinte anos, a conhecer os resultados na hora, a espera foi longa. Teorias conspiratórias logo se alevantaram. “Isso é obra dos russos”, “Eu te disse que os chineses iam atrapalhar”, “Só pode ser coisa da CIA” – foram as hipóteses que correram por aí.

Em típica atitude defensiva – que ocorre esporadicamente no mundo todo, mas que, no Brasil, se tornou esporte nacional –, as autoridades responsáveis logo trataram de pôr a culpa em terceiros. “Não fomos nós!” Impossibilitados de negar a evidência do atraso, acusaram a covid, os computadores, os técnicos, os fornecedores, o faxineiro, a moça do café.

Dias depois, aparece o verdadeiro culpado. “Realizei tudo sozinho”, avisa um pirata informático (=hacker). Longe de se mostrar envergonhado, exibe o orgulho de que somente os muito jovens são capazes. O rapaz, um português de 19 anos, esclarece ter cometido a façanha munido de um simples telefone celular, desses que todo o mundo tem no bolso.

Por que fez isso? Ora, pelo frisson(*). Tendo ouvido dizer que o TSE tinha reforçado a segurança do voto eletrônico, resolveu testar. O resultado foi além da expectativa: perturbou a vida de 100 milhões de eleitores e ainda deu munição aos desajustados do Planalto para lançarem suspeita sobre a lisura do pleito. Desculpem qualquer coisa aí, hein!

O mundo informático, marca dos novos tempos, é contrastado. Do lado bom, está a facilidade infantil com que a gente se comunica, pouco importando a distância. O custo das comunicações, que caiu a quase zero, também é excelente notícia. Porém, do lado mau, está essa permeabilidade do sistema.

Nos tempos de antigamente, para grampear um telefone, era preciso subir no poste e instalar o dispositivo de arapongagem. Dava mão de obra e era indiscreto. Hoje em dia, com dois cliques um operador faz o mesmo trabalho – com a vantagem de poder grampear um indivíduo ou um bairro inteiro, se assim lhe apetecer.

Antes da informática, as palavras que se diziam ao telefone chegavam ao correspondente, em seguida se perdiam no espaço e se apagavam. Hoje não funciona mais assim. Gosto de imaginar que, nalgum bunker secreto no Arizona ou em Utah, todas as comunicações e mensagens telefônicas (escritas ou de voz) são gravadas e armazenadas para eventual uso futuro.

Não é ficção científica. Pense um pouco. Se um adolescente, com um telefone na mão, consegue invadir o complexo sistema do TSE e devassar o voto de uma população do tamanho da nossa, fica demonstrada a facilidade de manipular resultado de eleição.

Falando em manipulação, se alguma já não foi feita nas eleições passadas, fica aqui a sugestão. Quem tiver telefone pode tentar. O frisson(*) é garantido. As instruções de piratagem devem se encontrar na internet, acredito eu.

Ah, ia esquecendo de prevenir. Quando você tiver ganas de falar mal de alguém, em mensagem escrita ou de voz, pense duas vezes. Esse alguém pode até um dia invadir o bunker do Arizona. Se ele descobrir a maledicência, vai dar um forrobodó dos diabos.

(*)Frisson
É palavra francesa dicionarizada no Brasil sem alteração da grafia. Em sentido próprio, significa arrepio, calafrio. Aqui foi usada no sentido figurado, dado que arrepio não seria a melhor opção. O termo é descendente longínquo do verbo latino frigere = ter frio, através da forma medieval frictio/frictionis, que acabou dando nossa fricção. A idéia é que quem tem frio treme e sente arrepios.

Fonte: brasildelonge.com