terça-feira, 6 de outubro de 2020

SAMUEL, O HOMEM QUE ESTAVA LÁ

SAMUEL, O HOMEM QUE ESTAVA LÁ
Ruy Castro

Uma bela biografia de Samuel Wainer mostra como nem seus amigos confiavam nele

Num curso para repórteres de uma revista de São Paulo, há uns 20 anos, um dos monitores aconselhou a classe a desconfiar de histórias muito contadas e dadas como verdadeiras. Fazendo parte da mesa, concordei. Mas, depois, ao ensinar que o bom repórter não pode perder uma oportunidade, citou a clássica história de Samuel Wainer, em 1949, indo ao Sul para uma reportagem qualquer e decidindo, de repente, mandar o teco-teco descer na fazenda do ex-ditador desterrado Getulio Vargas, em São Borja, para entrevistá-lo. E, então, por seu intermédio, Getulio anunciou que iria voltar à cena —o que aconteceu. Um furo, uma bomba, como se diz em jornalês.

Aí discordei. Essa não seria uma típica história a se desconfiar? Quem garantia que fosse verdade? Silêncio na mesa. Foi como duvidar da ressurreição de Cristo. Wainer era um ídolo em São Paulo. Sua palavra era lei, e eu não tinha nenhum fato a apresentar. A meu favor, apenas a convivência com jornalistas do Rio que haviam trabalhado com Samuel e, por conhecê-lo bem, não comprariam dele uma rotativa usada.

Não que não o admirassem por seu dinamismo, generosidade e genialidade para fazer jornal. Sua maior criação, a Última Hora, marcara época. O que censuravam nele era a maravilhosa falta de caráter, a aptidão para certos negócios, as relações nem sempre lisas com dinheiro —e isso antes mesmo do financiamento de Última Hora pelos bancos oficiais de Getulio.

As peripécias de Samuel tornam irresistível a leitura de "Samuel Wainer - O Homem Que Estava Lá", sua biografia por Karla Monteiro, que acaba de sair. Entre elas, a que ele tomou de seu amigo Azevedo Amaral a revista Diretrizes, registrando-a em seu próprio nome sem que Amaral se desse conta —por ser cego.

Ah, sim, a entrevista de Getulio. Não foi tão de repente. Já tinha sido agendada por seu patrão, Chateaubriand, com Alzirinha, filha do homem.

Fonte: Folha de São Paulo

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