terça-feira, 22 de setembro de 2020

ROMANCE FORENSE

TAQUIGRAFIA ÀS AVESSAS
Por Rafael Berthold,
advogado (OAB-RS nº 62.120)

Quando chegou ao trabalho, a chefe do Departamento de Taquigrafia e Estenotipia do Foro Central encontrou o seu setor em polvorosa. Tudo por causa de uns advogados que fizeram questão de registrar em ata suas considerações sobre o Judiciário.

– O que está acontecendo aqui? – indagou a chefe.

A taquígrafa que realizou a degravação se apressou em responder:

– Foi um dos trabalhos mais difíceis que já realizei. Foi uma confusão: vários advogados do mesmo escritório falando ao mesmo tempo, um se atravessando no discurso do outro, todos querendo expressar os seus sentimentos e opiniões. Não dava nem pra identificar quem disse o que. Tive que voltar e avançar a fita várias vezes até conseguir registrar tudo o que foi dito. Mas o pior não é nem isso. Relendo a degravação, percebi que os tais advogados só queriam mesmo era ofender a nossa classe, dos serventuários da justiça.

– Deixe-me ver a degravação.

A chefe retira o papel das mãos da servidora e, após alguns instantes de leitura, devolve-o com a seguinte indagação:

– Você tem certeza de que não fez confusão ao ficar avançando e retornando a fita?

– Acho que não fiz confusão nenhuma. Afinal, o texto ficou bem claro, não ficou?

– Pois então releia o documento, em voz alta.

(Segue, na íntegra, o texto da degravação:)

– Bom dia!

– Chegando no cartório, o que recebemos foi um belo de um [...]

– Atendente preguiçoso e apático.

– Não vislumbramos nem sequer um [...]

– Sorriso no rosto dos servidores.

– Tudo o que desejamos é ver, nas varas cíveis, [...]

– Menos desorganização e mais eficiência.

– O que temos testemunhado, ultimamente, é [...]

– A resistência dos magistrados em receber os advogados em seus gabinetes.

É flagrante como diminuiu [...]

– O coleguismo entre servidores e advogados.

– Devemos perseguir, isto, sim, [...]

– A implantação de metas rigorosas para os funcionários do Judiciário.

– Se assim fosse, algo que ficaria em segundo plano seria [...]

– A relação mais direta e informal entre os operadores do Direito.

– Nós, advogados, temos por objetivo [...]

Fazer o nosso trabalho e nada mais.

Não pensem que estamos aqui para [...]

Auxiliá-los na árdua tarefa de administrar a prestação jurisdicional.

Nossa obrigação é nos fazer disponíveis [...]

Às nossas famílias e clientes.

Se precisarmos, daremos as costas [...]

Às reivindicações do Judiciário.

Estamos determinados a atender [...]

Apenas aos nossos próprios interesses.

Os senhores não nos verão mais dar atenção [...]

A todos os servidores!

E assim que a taquígrafa concluiu a leitura, a chefe lhe fez um estranho pedido:

Agora, releia tudo de novo só que do fim para o início, e diga-me se você realmente não fez confusão...

Fonte: www.espacovital.com.br

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