Por Eberth Vêncio
Estou queimando por dentro. Temporada aberta para os planos inexequíveis. Tornar-me um vegano. Montar uma banda. Saltar sem paraquedas. Vacinar bundões. Acasalar com uma soviética. Curar a minha loucura famélica por meio da medicina baseada em evidências. É evidente que ando triste. Estou queimando por dentro, como uma tocha andante do Movimento Black Lives Matter.
Lá se vão mais de cento e cinquenta dias de pandemia e de lassidão. Preciso de uma vacina urgente que me dê coragem, de um chá quente que me ajude na viagem, de ocupar o vazio presente com os solos medicinais de um violoncelo. Quem diria: Yo-Yo Ma não é japonês. Ele é um músico norte-americano, nascido na França, de origem chinesa. Não tolero xenofobia. E eu que pensava que os olhos puxadinhos da morena tivessem um mirar asiático. Na verdade, uma índia. Uma indígena com a tez de um tom-sobre-tom midiático. Um escândalo. Uma mulher andina, tipicamente latina, fagueira, fumegante como a chama que me devasta a secura interior.
As previsões não são boas para a floresta amazônica que incendeia dentro de mim: só voltará a chover em outubro. Até lá, muito calor e loucuras. Quero cozer. Quero casar. Quero comprar uma bicicleta nova e, quem sabe, um guarda-chuvas emprestado para me esconder do sol escaldante. Quero fazer um mochilão. Sofrer câimbras a caminho de Compostela. Viajar na maionese. Intoxicar-me com um sanduíche grego de rua. O meu carma é viver de fazer drama. Sofrer um colapso. Conferir como é a cara de Deus e voltar de uma morte aparente. Quero incrementar a sanha demente, cleptômana, de roubar estrelas do iluminado céu do cerrado. Venha comigo, indiazinha, vamos nos banhar no regato e ofertar generosos mililitros do nosso velho sangue sifilítico aos mosquitos.
Foguetes riquíssimos partem para Marte. Mirtes colocou silicone nas nádegas. O preço da mortadela subiu. A mortandade decorrente da peste pelo Covid-19 levou embora muito mais do que dezenove amigos. Risquem o meu nome da lista de notáveis que serão injetados ao espaço, conduzidos dentro de uma cápsula hermeticamente fechada, pelo prazo máximo de um ano, limite permitido para que uma pessoa não estrangule a outra, até pousar em solo marciano, com precisão matemática, para viverem uma vida imprecisa, galáctica, dentro de uma enorme redoma de vidro de um zoológico de humanos. É lógico que não estou brincando. No máximo, pelo mal da ciência, pela minha tradicional falta de modos, doaria gametas pelo cano, por tais causas megalomaníacas.
Mania. Depressão. Não me force a fazer uma escolha. Não há mulheres nem oxigênio na superfície do planeta vermelho. Uma calamidade um negócio como esse. Não se metam comigo enquanto estou queimando por dentro. A humanidade não deu certo aqui na Terra e não vai dar certo em lugar algum do sistema do sistema solar. Furaram-me uma das veias. A dosagem sérica de vitamina D anda baixa; minha autoestima, idem. Estou queimando por dentro, com sarcasmo e tudo. Levantaram ainda mais o sarrafo. Não sou um sapo, mas, sofro de inúmeras necessidades e não sei como dar os meus pulos. Estou queimando por dentro, feito um tamanduá chamuscado pelas chamas no pantanal mato-grossense do meu país sem bandeira. Hoje, acordei pilhado. Um ser vivo, mal domesticado, sem eira, nem beira.
Fonte: https://www.revistabula.com
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