Contam que o analista de Bagé não
está muito contente com sua recepcionista Lindaura porque, segundo diz, “ela é
como trigo: lindo de se vê mas só dá uma vez por ano”. Mesmo assim, não a
substitui porque a Lindaura “é esperta que nem gringo de venda” e sabe o que
fazer em qualquer situação. Embora goste de dizer que “mulher só serve pra três
coisas e pras outras duas tem diarista”, o analista de Bagé reconhece que deve
até sua vida a Lindaura. Como no caso da prenda de botas.
Pues diz que entrou uma mulher no
consultório pisando mais firme que delegado novo em chineiro. Abriu a porta num
trancaço, parou com pernas abertas e as mãos na cintura e gritou:
- Buenas!
O analista de Bagé ficou de pé
num salto de assustar cusco e também gritou, mais grosso ainda:
- Buenas!
Ficaram os dois se estudando em
silêncio. Aí ela levou a mão atrás e tirou uma faca do cinturão. O analista de
Bagé pegou o facão, deu um chute no banquinho e recuou até a parede. Desafiou:
- Vem que aqui tem homem. E da
fronteira!
Mas a mulher pegou um rolo de
fumo de dentro da bombacha e uma palhinha de trás da orelha. Começou a picar o
fumo, olhando para o analista por baixo das sobrancelhas grossas.
- Quero me analisá! – gritou.
- Pos se apeie e deite no divã.
Ela olhou para o divã coberto com
um pelego. Depois voltou a encarar o analista. Acabou de enrolar o cigarro e
botou num canto da boca. Disse:
- Não me deito pra homem nenhum.
- Pos de pé eu só analiso cavalo.
Novo silêncio enquanto os dois se
estudavam. Ela apontou para a ponta do palheiro e disse:
- Tem fogo?
- Pra mim mulher que pita, se não
é francesa, é pinguancha.
- Francesa eu não sou.
- Já vi pelo sotaque.
- E pinguancha é a tua mãe.
Atracaram-se. Rolaram pelo chão.
Ela acabou por cima, com um joelho sobre o peito do analista.
Ele perguntou:
Ele perguntou:
- Como é que eu fico desse jeito,
tchê?
- Um trauma.
- Pois toma outro.
E acertou um manetaço no lado da
cabeça dela. Ela rolou para baixo do divã. Levantou com o divã e tudo e veio,
agora para liquidar. Foi quando o laço da Lindaura cruzou os ares e a
imobilizou. O analista de Bagé e a Lindaura amarraram a mulher juntos mas
tiveram que chamar o zelador para colocá-la no divã. Sobravam trinta minutos
para análise mas o analista cobrou os cinqüenta, de vingança, porque ainda
estava com a paleta dolorida.
Depois que a mulher saiu, ainda
ouvindo os passos das botas dela no corredor, o analista de Bagé, excitado com
a briga, disse para a Lindaura:
- Te deita no divã.
Mas a Lindaura não transigiu:
- Só no Natal. (VERÍSSIMO, Luis
Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 233)
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