OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ
É sabido que todo psicanalista
deve, ele mesmo, fazer análise antes de começar a analisar os outros. Segundo o
analista de Bagé, isto acontece pela mesma razão que um cirurgião desinfeta as
mãos “antes de mexê em tripa alheia” e para “o vivente descobri se não tá na
profissão só pra ouvir bandalheira”. O próprio analista de Bagé precisou se
analisar mas não passou da primeira sessão e teve que ser contido para não
cumprir sua ameaça de sangrar seu analista, porque “esse aí só serve pra
morcilha”.
- Mas morcilha de sangue de gente
não presta.
- Então não serve pra nada!
Nunca se soube muito bem o que
houve durante a sessão mas por muito tempo o analista de Bagé só se referia ao
outro como “más bisbilhoteiro que filho de empregada”.
A solução foi o próprio analista
se auto-analisar. Ele mesmo conta que foi um pouco cansativo ficar pulando do
banquinho para o pelego e do pelego para o banquinho durante cinqüenta minutos,
mas valeu a pena.
- Hoje me conheço de me tratar
por tu e dividi palheiro, tchê.
Ninguém esteve presente, é claro,
mas foi possível fazer uma razoável reconstituição do diálogo entre o analista
de Bagé e ele mesmo, logo depois da formatura.
- Mas então, tchê?
- Pôs to aqui.
- Que venham os loco?
- Que venham os loco que eu
reparto de pechada, tchê.
- Oigalê!
- Por Freud e Silveira Martins.
- Oigatê!
- Se corcoveá eu monto.
- E dá de relho.
- Buena, de relho não. De relho,
só cavalo aporreado e china respondona.
- Guasca velho! E tu não tem nada
pra botar pra fora? Recalque, complexo ou arroto?
- Mas o que é isso, índio velho?
Tu sabe que bageense é como vitrine de Belchior, ta tudo lindo ali na frente.
Escondido só bragueta de gordo.
- Não é como essas outra raça.
- Pôs não é. Tem raça que é que
nem cestinha de morango. Por baixo é tudo podre.
- Bueno, se todo mundo fosse
gaúcho, ser gaúcho não era vantagem.
- E ia faltar mate.
- Deus fez os outros primeiro e o
gaúcho quando pegou a prática.
- Por isso é que tem tanto índio
desajustado.
- Teu trabalho é curá esses
desgarrado.
- E tu acha que eu to pronto, tchê?
- Mas tu tá virando carvão, tchê!
Salta daí e vai trabalhar. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto
Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 243)
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