A NOVELA DOS APARTAMENTOS
José Horta Manzano
A novela dos apartamentos comprados a dinheiro pelos Bolsonarinhos tem causado espanto – se é que algo ainda causa espanto na política brasileira.
Acho engraçado a gente dizer «dinheiro vivo», expressão que faz pressupor a existência de hipotético ‘dinheiro morto’. Bem, era só uma observação. Não vamos mexer em vespeiro, que vespa pode picar.
O clã Bolsonaro tem mostrado forte preferência por investir em imóveis, pagando sempre com ‘dinheiro vivo’. É curioso. Se o Brasil fosse um país nos conformes, uma denúncia desse tipo seria objeto de investigação imediata, profunda e minuciosa. Caso se descobrisse que a origem do ‘dinheiro vivo’ era ilícita, o caso terminaria num tribunal criminal. Com condenação garantida.
Sabe-se que o Brasil não é muito dado a investigações minuciosas; sabe-se também que ver gente graúda responder pelos crimes cometidos é raridade. A cada dia, tem-se a impressão de que a Operação Lava a Jato foi uma excrescência, um ponto fora da curva. Portanto, é melhor tirar o cavalo da chuva.
Há um aspecto nessa história que me deixa perplexo. É justamente o fato de os membros do clã darem preferência a investir em imóveis o fruto de sabe-se lá que ilícitos. Um conhecido meu, de profissão contador, costuma dizer que é sempre mais fácil esconder um maço de notas do que um imóvel. Decerto, os Bolsonarinhos nunca pensaram nisso.
Paulo Maluf, um dos mais obstinados ladrões de dinheiro público que o país conheceu, já tinha aprendido, desde mocinho, que dinheiro roubado se guarda lá fora. Se foi apanhado, é porque exagerou, foi além dos limites. (Até para assalto ao erário, há que ser razoável.)
Os membros da quadrilha lulopetista, que também meteram a mão nas burras do Estado e enriqueceram com nosso dinheiro, tinham mais imaginação. Tirando uns poucos que preferiram receber o fruto do assalto em ‘dinheiro vivo’ e guardá-lo em malas, o grosso dos malandros despachou o tutu para portos seguros no exterior. Em seguida, terão investido em ações, ouro, platina, minas de cobre na Sibéria, garrafas de Bordeaux, obras de arte, coisas assim. Mas nada de apartamento no Rio de Janeiro, que ninguém é besta.
Os lulopetistas sabiam disso. Os Bolsonaros, ao que se vê, não sabiam. Devem fazer parte do que a gente costuma chamar de ‘ladrão pé de chinelo’.
A acreditar nas revelações da imprensa, é permitido deduzir que o clã se dedicou a práticas criminosas. Tivessem procurado a expertise de peritos no assunto, não estariam agora em apuros. Vai ficando cada dia mais claro que a família sofre, de fato, de pesado déficit de inteligência.
Gosto muito de histórias de ladrões como Arsène Lupin e outros ladrões de casaca. Não devo ser o único a apreciar as aventuras desse tipo de personagem, visto o número de filmes e livros em circulação. Quando se mergulha numa história dessas, a cada sequência, a gente vibra pelo ladrão. Sem se dar conta, a gente sucumbe ao magnetismo e à simpatia do elegante personagem.
Apesar de ser ilegal apropriar-se do que pertence ao alheio, quando a elegância convence e o charme opera, fica impossível resistir: nossa torcida vai inteira para o personagem. A cada vez que a polícia ameaça descobrir o herói e mandá-lo para detrás das grades, sentimos um frio na barriga.
No caso dos assaltantes do erário via sistema de rachadinhas – prática na qual a família Bolsonaro parece ter-se especializado – a gente torce mesmo é para a polícia.
Fonte: https://brasildelonge.com
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