Não tenha medo de falar outro idioma
Interpelado pela redação, nosso correspondente britânico confirmou
que pretende ver a Copa do Mundo no Brasil. Infelizmente, porém, ainda
não forneceu data nem endereço. Seguiremos acompanhando esse caso. A seguir, a carta da semana:
Querido Mr. Miles: sei que o senhor é um poliglota, o que
facilita sua vida de viajante. Eu, porém, estudei inglês por mais de
seis anos, sou neta de italianos e, quando viajo, fico travada. Tenho
tanto medo do ridículo, que me acanho e não consigo conversar com
ninguém. O que devo fazer? (Maria Clara Pugliese, por e-mail)
“Well, my dear, agradeço que você me chame de poliglota, mas em um mundo com milhares de línguas não passo de um sujeito ignaro.
O que gostaria de lhe explicar, dear Claire, é que, mais
importante do que o idioma, é o entendimento. Veja bem: a não ser que
você, por motivos de trabalho, tenha de dominar um língua com fluência,
ler e escrever com perfeição, ou que você queira, for instance,
ser uma tradutora simultânea, o fundamental é comunicar-se e fazer-se
entender de uma maneira ou de outra. Arrolo, aqui, como testemunha, meu
amigo (e vosso patrício), o viajante Ronny Hein, cuja avó alemã viveu
mais de 50 anos no Brasil e – believe me! –, jamais conseguiu acertar o gênero de qualquer substantivo. Era ‘o batata’, ‘a helicóptero’, ‘os panelas’ and so on… Nem por isso, however,
ela sofreu um momento sequer. O açougueiro entendia quando ela pedia um
quilo ‘do picanha’ e o vidraceiro trocava ‘a espelho’ quebrado.
Concordo: esse exemplo é um tanto radical. Mas seu acanhamento, I presume,
é muito pior do que o seu desconhecimento da língua. Converse, erre o
artigo, o tempo do verbo ou a preposição. Acredite: ainda assim as
pessoas se esforçarão para entendê-la. Quantas vezes recebo amigos
russos, chineses ou indianos que jamais perderão seu sotaque e nunca
terão uma pronúncia sequer parecida com a palavra que eles querem
proferir. Consigo, anyway, comunicar-me com todos eles e, sometimes,
fico até emocionado com o esforço que fazem para falar a minha língua.
Quase nunca revelo a eles que posso conversar, perfeitamente, nas
línguas deles – o russo, o mandarim e o hindu – desde que não se tratem
de dialetos pouco utilizados.
Um outro truque pode funcionar muito bem. Digamos que você esteja em
Nova York e se acanhe de conversar os nova-iorquinos. Pois procure um
estrangeiro residente por lá. Há milhões deles! Todos com seus pequenos
problemas de comunicação e nenhum deles disposto a atormentá-la com uma
dificuldade que eles próprios tiveram. Besides, darling, em qualquer lugar as pessoas não-nativas costumam falar mais devagar e usar menos gíria.
Outra observação: o Brasil é um melting pot. Seu idioma tem
influências do inglês, do italiano, do francês, do espanhol, do japonês,
do alemão e de diversas línguas africanas. Assim, se em uma conversa em
Paris, o tema for parfum ou baguette, você sempre
perceberá qual é o assunto em questão. Isso ocorre com diversos idiomas e
o simples interesse do ouvinte, aliado a um pouco de mímica, vai
ajudá-la a se fazer entender e a entender também, ainda que seja um
pouco. Isso faz toda a diferença.
Uma querida amiga colombiana, Lea Estrella, viu seu marido em apuros
em Munique, na Alemanha. Ele tinha rachaduras no calcanhar, provocadas
pelo intenso inverno local, mas não sabia como dizer qualquer dessas
palavras em uma farmácia. Pois lá foi a sacudida Lea, que não fala
patavinas de alemão. No balcão da farmácia, anunciou: ‘foot, kaputt’, mostrando seu próprio pé. A atendente foi até a prateleira e trouxe a pomada adequada. Em dois dias, o marido estava curado. Amazing, isn’t it?”.
Fonte: O Estadão
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