sexta-feira, 11 de setembro de 2020

HEROÍNA NA FARMÁCIA

HEROÍNA NA FARMÁCIA
Hélio Schwartsman

Overdoses matam 70 mil pessoas por ano nos EUA, mas, caso as drogas em circulação fossem padronizadas, menos gente morreria, lá e aqui

A Covid-19 tirou das manchetes a epidemia de mortes por overdose nos EUA, mas ela continua lá, apenas um pouco menos visível. Os números assustam. São 70 mil óbitos por ano, 70% dos quais relacionados a opioides, legais e ilegais. Não há sinais claros de arrefecimento.

E 70 mil mortes é morte para presidente nenhum botar defeito. É um pouco menos do que a soma dos assassinatos com as vítimas do trânsito no Brasil e quase a metade dos óbitos por Covid-19 dos próprios EUA. A diferença é que não se espera que em 2021 o Sars-Cov-2 volte a causar tantas baixas, mas as overdoses podem em tese repetir sua mortífera performance por anos a fio.

E, se a Covid-19 é uma doença que controlaremos com o auxílio da ciência, a crise dos opioides é uma epidemia que foi em alguma medida provocada pela má ciência. Tudo começou nos anos 90, quando médicos e dentistas americanos, com base em poucos e enviesados estudos, além de uma boa ajuda dos departamentos de marketing dos laboratórios, passaram a prescrever opioides até para dores agudas e de baixa intensidade. Passaram por cima de tudo o que a ciência já sabia sobre dependência com essa classe de medicamentos.

Daí não decorre que a boa ciência não tenha como ajudar a reduzir os danos. No Canadá, o segundo país mais afetado pela epidemia, já surgiu um movimento, que conta com a simpatia de autoridades da Colúmbia Britânica, que pede que o governo federal garanta o acesso de todos os dependentes a heroína com padrão de qualidade constante.

É verdade que essa demanda desafia nossas noções de legal e ilegal e o próprio papel do Estado, mas a explicação faz sentido. Overdoses são quase sempre um acidente, que ocorre porque o usuário desconhece o grau de pureza da droga que vai utilizar. Uma dose “normal” pode revelar-se fatal se a partida é mais pura. Caso a droga em circulação fosse padronizada, menos gente morreria.

Fonte: Folha de S. Paulo

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