O analista de Bagé recebe seus clientes de bombacha e pé no chão, nunca deixa de oferecer um chimarrão “pra clarear a urina e as idéia” e o divã do seu consultório é coberto com um pelego. Tudo isto é verdade. Mas algumas coisas que contam sobre o analista de Bagé são inventadas. Como ele mesmo diz “tão botando mais coisa na minha boca que água em pirão de quartel”. Não é verdade que as suas sessões de análise em grupo virem fandango e que ele as chame de “freudango”, ou “arrasta-trauma”. Ele se declara “mais ortodoxo que cafiaspirina e braguilha com botão”. Só o que fez foi mandar sua recepcionista Lindaura (uma china que eu tava criando pra cruzá mas passou do ponto) acompanhar as sessões com o seu acordeon de madrepérola, “tão chique que em vez de baixo tem gaffe”. Mas é claro que se alguém quiser dançar, desde que seja mantido o respeito, pode. Outra ideia do analista de Bagé foi promover jogos de futebol de salão entre os grupos de análise. Jogam os sádicos num time e os masoquistas no outro. Assim o jogo pode ser violento que ninguém se importa.
Mas o analista de Bagé não descuida dos seus clientes individuais. Outro dia recebeu um que teve que ser empurrado para dentro do consultório pela Lindaura.
- Mas que índio más chucro - disse o analista, puxando o moço pelo braço.
- Ele diz que não quer tirar o seu tempo – disse a Lindaura.
- Mas tu não ta tirando, tchê. Tá comprando.
- Mesmo assim... – disse o moço, humildemente.
- Não te fresqueia e deita.
- Mas...
- Deita! – ordenou o analista, ajudando-o a se decidir com um empurrão. – Aceita um mate?
- Quem sou eu?
- Mas tu parece cascudo atravessando galinheiro, tchê. Qual é o causo?
- É uma bobagem...
- Desembucha.
- É que eu tenho este complexo...
- Sei.
- O senhor vai até achar engraçado.
- Engraçado é gorda botando as calça. Fala logo que eu tou com salinha cheia de louco.
- É um complexinho.
- Tô ouvindo.
- Fico até envergonhado. Tanto complexo grande por aí...
- Fala, animal!
- Meu complexo, coitado, é de inferioridade.
- E tu quer ser curado, no más.
- Se não der muito trabalho...
- Olha aqui, ó bagual. O que tu tem é vaidade.
- Eu?
- Mais vaidoso que guri em chineiro. Conheço gente inferior aos monte. Inferior como tu.
- E daí?
- Daí que nenhum pensa que é doença! (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 200)
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