Brenda Fucuta
O home office foi aprovado por 70% dos entrevistados em uma pesquisa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, conforme notícia publicada nesta semana. A maior parte desses entrevistados recebe altos salários.
A ideia do home office frequentava minhas aspirações e a de muitos colegas da editora Abril, onde trabalhei por muitos anos e na qual experimentei o mundo corporativo. A Abril foi uma empresa vibrantemente criativa. Uma delícia. Mas também exigente. Meus últimos anos foram exaustivos e, talvez por isso, a fantasia de trabalhar perto dos filhos, maridos, mulheres, gatos e cachorros fizesse tanto sucesso. Um dia na semana de home office significava, acima de tudo, um dia na semana sem reunião.
Quando leio que a prática é irreversível, que o mundo do trabalho sofrerá mudanças profundas a partir dessa experiência forçada pela pandemia, fico imaginando o que acontecerá com as reuniões. Será que, finalmente, vamos mexer com a insidiosa cultura das reuniões, a solução mais bem-intencionada e menos produtiva do atual modelo corporativo?
Claro, existem reuniões e reuniões. Algumas, poucas, são para produzir um trabalho coletivo. A maioria serve para que várias pessoas ouçam o que o chefe tem a dizer. Ou para responder o que o chefe tem a perguntar. E quanto mais gente tem na reunião, mais chata ela fica. Porque, com muita audiência, sempre acontece uma apresentação em Power Point. As reuniões começam como sala de aula e terminam como uma lista de "to dos", uma lista de tarefas.
Epa, quem tem chefe pode ter subordinados, certo? E a lista de "to dos" passa a ser cascateada pela empresa, à medida em que as equipes vão sendo convocadas para ouvir o que o chefe ouviu do chefe dele. Resultado: a empresa vive sentada, tomando cafezinho, anotando o serviço que precisa ser feito –e que leva muito tempo para ser entregue porque, você sabe, está todo mundo em reunião.
Para quem acha que estou exagerando, admito: estou generalizando, deve ter uma ou outra empresa onde as reuniões são diferentes das descritas. Por outro lado, há prova maior de que as reuniões são uma praga nas empresas do que a falta insistente de salas disponíveis para os encontros? Por mais áreas que existam destinadas a esse fim, nunca tem sala suficiente.
O efeito mais enganoso da reunião é que ela só parece ser produtiva. Como é possível produzir quando uma pessoa tem três, quatro reuniões por dia? Que tempo sobra para ela desenvolver o trabalho? Que tempo sobra para pensar, encontrar soluções, buscar resultados?
E aí vem o efeito mais perverso, justamente o efeito come-tempo. Não existe nada mais matador. Um profissional que vive em reunião, vive esbaforido, sem tempo. Uma pessoa sem tempo costuma ser uma pessoa sem capacidade de ouvir, processar o próprio pensamento. Daí vem a segunda etapa da perda de produtividade, o "briefing" superficial e desamarrado, a encomenda que exige respostas para perguntas que não foram sequer formuladas. Assim como as reuniões, o "briefing" mal feito também cascateia. E o resultado é mais perda de tempo com o "briefing", a refação do "briefing", o temido alinhamento da expectativa.
Voltando ao começo do texto: o home office. Claro que as reuniões continuam por meio virtual, nem daria para ser diferente. Mas, acredito, com o distanciamento físico parece que elas evidenciam seus defeitos. Certamente, as pessoas já notaram que encontros em vídeo levam menos tempo que os presenciais. O que me faz pensar que, talvez, haja aí uma esperança. Quem sabe comece uma mudança na cultura das reuniões? Quem sabe os executivos consigam desmamar delas?
Tem muita coisa importante para mudar no modelo de trabalho em grandes empresas. Os próprios conceitos de trabalho e de empresa podem estar sendo revisados neste momento. Mas, qualquer que seja o novo modelo, nele a cultura das reuniões não deveria sobreviver.
Fonte: https://nos.blogosfera.uol.com.br
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