Lindaura, a recepcionista do analista de Bagé (segundo ele “uma recepcionista eclética, pois recebe e dá”) faz o possível para prevení-lo sobre os pacientes novos antes de entrarem no consultório pois, como diz o analista, “se me entra um arreganhado já recebo a tapa. Lindaura deixa um pedacinho de veludo vermelho ao alcance do paciente na sala de espera. Depois escreve na sua ficha “Não ligou para o veludo” ou “Passou a mão e começou a babar” ou “Botou na frente e foi ver no espelho se ficava bem”. Na ficha daquele cliente novo, de Não-me-Toque, ela escrevera: “Viu o pedacinho de veludo e recuou horrorizado”. Era obviamente paranóico.
- Te deita no divã, tchê – disse o analista de Bagé.
- Prá que? – quis saber o paciente, desconfiado.
- Oigalê bicho bem chucro – disse o analista com uma risada agradável, enquanto torcia o braço do outro e obrigava-o a se deitar.
O paciente ficou se segurando sobre o pelego que cobria o divã, para evitar que arrancassem sua roupa. O analista sentou no seu banquinho e pegou a cuia. Ofereceu:
- Um mate?
- O que você quer dizer com isso?
O analista de Bagé passou a cuia para o outro, que olhou para a ponta da bomba com apreensão.
- Pode tomar que os micróbios são de casa – disse o analista, mas o paciente devolveu a cuia. O analista continuou:
- Pues, qual é o problema?
- Eu sabia. Já andaram espalhando que eu tenho problema.
- Se o amigo está aqui é porque tem um problema. Já vi que mate não é.
- Pare com esse tom condescendente!
O analista de Bagé fez força para se controlar. Um dia antes perdera a paciência e atirara um masoquista contra a parede. O masoquista não reclamara mas com o impacto se quebrara o seu Freud entalhado em imbuia. O outro continuou:
- Todo mundo me persegue.
- Não é verdade.
- Ninguém acredita em mim.
- Eu acredito.
- Você só diz isso pra me agradar.
- Eu não estou querendo te agradar.
- Por que não? Por que não?
Meia hora depois o analista de Bagé, com argumentos razoáveis, e com a ameaça de atirar a escarradeira na sua cabeça, convencera o paciente a abandonar sua mania de perseguição. Ninguém o estava perseguindo. Era pura fantasia.
- E o jacaré embaixo da cama?
- Não tem jacaré. Jacaré gosta de banhado. A tua cama fica em lugar seco?
- Fica.
- Pois então.
Ele devia sair convencido que ninguém nem mais nada estava contra ele. Devia se esforçar para levar uma vida normal.
- Não sei se vou conseguir...
- Vai.
- Como é que você sabe?
- Porque eu vou estar sempre atrás de ti, tchê. Te cuidando. De dia e de noite. A menor recaída na paranóia, ó...
E o analista de Bagé fez o gesto de quem acerta um cutelaço na nuca. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 82)
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