O analista de Bagé se declara “freudiano de colá decalco”e “mais ortodoxo que Caximir Buquê”, mas isto não o impede de experimentar com novas formas de terapia. Como no caso da mulher do compadre Salustiano.
Contam que um dia o compadre Salustiano entrou no consultório, segundo o analista de Bagé, como matamosquito em convento. Causando alvoroço. Eles há tempo não se viam.
- Guasca velho!
- Cachorrão!
- Índio bem loco!
- Seu bosta!
- Animal!
- Desgraçado!
E se atiraram um nos braços do outro, com tanta força que a Lindaura veio ver se não tinha móvel quebrado. Depois o analista de Bagé mandou o amigo se deitar no divã e desembuchar, que era de graça. O Salustiano reagiu.
- Epa. Tá me estranhando, compadre? O problema é com a Rosa Flor.
- O que tem?
- A Rosa Flor quer ir pro Rio.
- Ir embora do Rio Grande? Mas enloqueceu.
- Pois é. Diz que não agüenta mais vê campo. Quer ver o mar.
- Mas ela não sabe que mar é iguala campo, com a desvantagem que afunda?
- Sabe, mas não adianta. Aquela, quando decide ir pra um lugar, é como cachorro de cego. Só matando.
- Escuta aqui, tchê. Tu desse um trancaço nela?
- Dei trancaço, dei laço, cheguei até a pedi. Foi como mijá em incêndio.
- Cosa, seu. Tu sabe que mulher que vai pro Rio, já desce na rodoviária falada.
- E eu não sei?
- Me manda ela aqui.
A Rosa Flor, a princípio, não quiz dizer nada. Ia para o Rio e pronto. O analista de Bagé abriu um volume do Freud para consulta. Era ali que guardava, numa folha de caderno de armazém, escritas a toco, as máximas do velho Adão, seu pai. Encontrou um precedente: “Prá amarrar cavalo no campo e mulher em casa, só carece de um pau firme”. Deitada no pelego a Rosa Flor confirmou com a cabeça quando o analista perguntou, sutilmente, se o compadre não passava mais a lingüiça na farinheira. Era verdade.
O analista botou uma mão na cabeça. Aquilo era a pior coisa que pode acontecer com um gaúcho, fora cair do cavalo ou a filha casar com nordestino. Com a outra mão, começou a desabotoar a braguilha. Fazia qualquer coisa por um amigo.
Ficou combinado que a Rosa Flor teria sessões duas vezes por semana e desistiria daquela história de ir para o Rio. O compadre Salustiano podia ficar descansado. A honra da Rosa Flor estava salva. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p.121)
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