quarta-feira, 1 de julho de 2020

O ANALISTA DE BAGÉ

OUTRA DO ANALISTA DE BAGÉ

Contam que os métodos pouco ortodoxos do analista de Bagé (embora ele diga que é “mais ortodoxo que caixa de maisena”) têm levado uma multidão de pacientes a procurá-lo. Ele foi obrigado a fazer uma triagem na sua clientela. Instruiu sua recepcionista Lindaura (“uma chinoca que eu estava criando mas passou do ponto”) a cortar os complexos menores, inclusive todos os de inferioridade e “os Édipos de ambulatório”. Só aceita casos difíceis pois, como diz, “cavalo manso é pra ir a missa”. Foi o caso daquele estancieiro rico que já entrou dizendo:

- Meu caso é de esquizofrenia, doutor.

- Oigalê! Já vi que o índio velho é dos que lê bula. Essa palavra eu só aprendi a dizer dois dias antes da formatura. Mas se abanque, no más.

O estancieiro se deitou no divã coberto com um pelego. O analista começou a limpar as unhas do pé com um facão. Falou:

- Quer dizer que o amigo está com esquizofrenia.

- É.

- Da braba?

- Da braba.

- Como se manifesta a bicha?

- Personalidade dupla doutor. Um dia eu sou um, no outro eu sou outro.

- Sei.

- Um dia sou alegre, bonachão, mão aberta. No outro sou carrancudo, brigão e não abro a mão nem pra espantar mosca.

- Mas que coisa.

- Eu tenho cura, doutor?

- Bueno. Vai ser um tratamento mais comprido que bombacha de gringo.

- Tudo bem.

- Mais caro que argentina nova na zona.

- Não me importo.

- Já vi que o amigo está nos seus dias de cordeirito.

- É...

- Lindaura!

- Chamou?

- Prepara a conta que o índio velho aqui vai pagar adiantado.

O estancieiro começou a levantar para protestar mas o analista de Bagé o mandou de volta com um cabeçaço. E avisou.

- Se contá pro outro, te capo. (VERÍSSIMO, Luis Fernando. O Analista de Bagé, Porto Alegre : L&MP Editores, 1995, p. 60)

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