Frágil como um vaso de porcelana
Depois de acompanhar a odisséia de seu velho amigo Sir
Arthur Clarke rumo ao espaço, nosso insuperável viajante aproveitou a
inesperada viagem ao Sri Lanka para praticar uma de suas atividades
prediletas: o birdwatching. Com a ajuda de Riza Badurdeen, o melhor
cicerone da ilha, dirigiu-se à Reserva Florestal de Sinharaja, área
nomeada para a eleição das Sete Novas Maravilhas da Natureza. Após três
dias de caminhada, observando e registrando o que chama de ordinary
birds, por fim Mr. Miles foi premiado com a visão de um tordo de asas
manchadas do Ceilão.
''Há décadas persigo este momento'', exultou nosso correspondente.
''Unfortunately, não consegui o foco adequado para o registro
fotográfico. Mas a imagem do pássaro, for sure, está indelevelmente
gravada em minha memória.''
A seguir, a carta da semana:
Olá, sr. Miles: gostaria de pedir seus conselhos para realizar uma
viagem por conta própria à China para conhecer locais antigos, povão
ainda não contaminado pelo mundo moderno, etc. Já aprendi inglês
suficiente para manter uma boa conversação. Fernando Pompêo de Camargo, por e-mail.
''Fernando, my fellow: antes de mais nada, minhas desculpas por
tardar em responder à sua consulta. Recebi ambos os e-mails (o segundo
deles quite unpolished, isn''t it?), mas a confluência do acúmulo de
questões com a exigüidade de espaço para respondê-las acarreta,
unfortunately, inevitáveis delongas. Tenho algumas considerações sobre o
seu projeto de viagem. Está cada dia mais difícil encontrar esta China
que você procura. Embora ainda cuspam no chão e comam gafanhotos, os
chineses vivem, nowadays, um furor capitalista semelhante ao que,
décadas atrás, transformou milenares samurais japoneses em ávidos
cantores de karaokê.
Existem, of course, redutos de uma China inocente nas áreas mais
remotas do país. Não será fácil chegar a elas, entretanto. I''m very
sorry to say, mas seu inglês não terá qualquer serventia em aldeias
distantes. Eu mesmo só consegui conquistar a confiança de mestres como
Huang Tsu e Xin Lai Min depois de dominar os dialetos wu e hakka. O
mandarin e o cantonês, que aprendi anteriormente, não me bastaram nessa
busca pela China perdida.
Mesmo assim, não foi fácil. Ao primeiro contato com um ocidental, o
aldeão chinês é muito desconfiado, ainda que gentil. Conquistar-lhe a
confiança é uma tarefa longa, que requer paciência, voz baixa e
respeito. A chave para ganhar a sua simpatia é mostrar conhecimento por
seu universo: mencionar um poeta ou artista local. Citar Confúcio, for
instance. Nada disso, of course, será possível sem o domínio da língua
local.
However, fellow, no ritmo em que as coisas caminham no país da Grande
Muralha, é possível supor que, em poucos anos, haverá guias para levar
viajantes estrangeiros ao que você chama de ''povão não contaminado''.
Eles estarão, provavelmente, confinados em parques temáticos,
representando disciplinadamente a linda história que um dia tiveram.
Linda e - what a pity - tão frágil quanto um vaso de porcelana da
dinastia Ming.''
Fonte: O Estadão
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