Charge de Gerson Kauer |
O PROMOTOR QUE CANTOU DE GALO
Apregoados autora e réu, apenas ele comparece à audiência no Juizado Especial Criminal de uma comarca catarinense. Ele é um homem idoso, caminha com dificuldade, desacompanhado de advogado e amparando-se em muletas.
- O senhor sabe por que está aqui? – questiona o promotor, antes que a audiência esteja formalmente iniciada.
- Sim, sei! É porque dizem que eu bati na cachorra da vizinha.
- O senhor bateu na cachorra que pertence à sua vizinha ou está chamando a sua vizinha de cachorra? - ironiza o jovem promotor, na ausência da juíza, que ainda não saíra de seu gabinete.
- Olha, doutor, eu tenho 81 anos, e o senhor, que é moço, entendeu o que eu quis dizer. Falo da cadela bicho, animal. Ela andava solta, deixou marcas no cimento mole da minha calçada nova, então eu só prendi ela no meu quintal. Dei uma única ´muletada´ nela, porque queria me morder – completou.
- Então vou propor a transação penal. O senhor é acusado de um crime ambiental e pode livrar-se doando alimentos a alguma entidade carente – diz o representante do Ministério Público.
- Doar alimentos? É a dona quem tem que me agradecer! Eu fiquei cuidando da cadela, que nem comida antes ganhava – retruca o idoso, já então observado pela magistrada, que, entrando, ocupara seu lugar.
- A autora não compareceu, embora ciente da audiência. Assim, vou mandar arquivar o feito - decide a juíza, interrompendo o diálogo.
- Claro, nem percebi. Estava no automático – o promotor responde, constrangido.
- Seu José, vou mandar arquivar este processo, porque a sua vizinha não apareceu. O senhor pode voltar pra casa tranquilo. Espero que se entendam, e que nada de ruim aconteça com a cachorrinha - conclui a magistrada.
- A paz do senhor! Que a senhora conquiste tudo o que deseja! – exclama o idoso, já se despedindo e levantando-se com dificuldades.
Ao sair, o homem dirige também saudações ("sejam felizes!") à escrivã e a uma estagiária.
Quieto, o promotor parece esperar algo.
E assim acontece. Apoiando-se na maçaneta da porta, o réu levanta uma das muletas e a aponta em direção ao promotor.
- Ao jovem, eu desejo...
A apreensão toma conta da sala. O rosto do promotor enrubesce.
- Desejo que cresça, pois o senhor é muito novo pra ficar aí cantando de galo!
Fonte: www.espacovital.com.br
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