sexta-feira, 26 de junho de 2020

MR. MILES

Ousadas experiências gastronômicas

Ventos gélidos fustigam as ilhas britânicas. Depois de visitar sua tia Agatha, na vila de Naunton, em Cotswolds, e de ser admoestado pela baixa frequência de suas aparições, nosso voluntarioso viajante já se prepara para partir em busca de latitudes mais quentes. Ainda não há, infelizmente, detalhes sobre seu próximo destino.  A seguir, a correspondência da semana:

Mr. Miles: fui convidado a um jantar gastronômico na França e serviram-me carne de cavalo. Enojado, recusei. Será que agi mal? Torquato Melchiades, por e-mail

Not at all, my friend. Eu também jamais provaria a carne de um animal de tal nobreza, sobretudo sem conhecer sua linhagem. Confesso, however, que esta é uma idiossincrasia. Minha infinita – e muitas vezes irresponsável – curiosidade de viajante já me levou, porém, a experiências gastronômicas que, I must say, ultrapassam o limite do bom senso. Passo a contá-las, em seguida, advertindo aos leitores de estômago sensível que, para o seu próprio bem, abandonem essas linhas.

Começo pelo capítulo dos insetos. No Camboja, fui levado a provar uma porção de tarântulas. É uma especialidade local. Exceto pela visão dos quatro pares de pernas (pouco carnudos, aliás), o sabor e a textura de seu cefalotórax não são tão repugnantes quanto se pode supor.

Escorpiões, servidos em abundância na China, são muito mais desagradáveis. A consistência, repleta de arestas pontiagudas do lado de fora e gosmenta por dentro, levou-me a preferir, em uma próxima ocasião, provar uma ferroada. Don’t you agree?

Na Indonésia, um amigo levou-me a um barbecue de morcegos. Eles parecem adorar tais ocasiões. Enriqueci minha cultura gastronômica provando uma carne dura, com notável aroma de pele queimada. Melhor vê-los em filmes de terror.

Já na Coreia do Sul, fui instado a degustar um polvo recém-nascido e cru. Oh, my God! Além da sensação de que o pobre molusco seguia vivo em meu prato, ao invés de mastigá-lo tive de mascá-lo como a um chiclete com sabor de praia pouco asseada. Estranhas predileções culinárias têm os seres humanos, haven’t they?

No Japão, há alguns anos, namorei com a morte ao jantar um fugu. Para os que não sabem, trata-se de um peixe de tal maneira venenoso que só pode ser preparado por cozinheiros muitíssimo bem treinados na arte de extrair suas porções peçonhentas. Um único engano e o cliente jamais pagará a conta.

Well, I did it. E foi disgusting. O fugu, que custava os olhos da cara, poderia ter me matado. However, teria sido melhor, nesse quesito, comer um revólver.

Mas, se o prezado leitor chegou até aqui sem náuseas, prepare-se para a minha experiência mais exasperante. A não ser que você seja tão aberto a experiências exóticas como meu amigo Luigi Macielle – que aprecia feijoada com tireoides de porco –, jamais aceite comer um balut nas Filipinas.

Eu o fiz. Na aparência, são apenas ovos. Na prática, however, são embriões de patos ou galinhas em fase final de formação, servidos dentro da própria casca. Com um pouco de sal e pimenta, é possível engolir o primeiro pedaço. O problema, my friends, são as penas e os pequenos ossinhos que as acompanham.

Como se vê, my dear Torquato, você fez bem em recusar a carne de cavalo. Como já disse, eu mesmo o faria. E não porque, as you noticed, não seja ligeiramente curioso.”

Fonte: O Estadão

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